Elas representaram 79,5% das 3.071 mulheres flagradas entre 2003 e 2007 em pontos de prostituição
Keiny Andrade*
A oferta às vezes é para garçonete em bares e cafés de Portugal. Ou pode ser mais directa: ser prostituta numa “casa de alterne” - nightclubs e boates de strip-tease - ou num apartamento alugado em Lisboa, Porto ou cidades pequenas, como Braga, perto da Espanha.
As brasileiras vêm de diversos Estados. Atraídas por ofertas de até 3 mil (R$ 8,4 mil), aceitam as condições dos recrutadores. A maioria é enganada. Sabe que trabalhará na prostituição, mas desconhece condições. Muitas sofrem maus-tratos e não recebem o valor combinado. A passagem é paga por alguém da rede e chega a custar o triplo. Em muitos casos, o empréstimo vira dívida incalculável. Passaportes são confiscados até o pagamento da dívida, embora essa prática tenha diminuído, pois a fiscalização passou a associar falta do documento à exploração sexual.Entre 2003 e o primeiro semestre de 2007, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal averiguou 3.071 mulheres em pontos de prostituição.
Do total, 79,5% eram brasileiras. Estudo do Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, realizado a partir de processos judiciais e de Órgãos de Investigação Criminal, mostrou que brasileiras são a maioria das vítimas de tráfico sexual em Portugal, seguidas por romenas e russas. E têm o seguinte perfil: solteira, 22 a 30 anos, nível médio de instrução e emprego anterior no setor terciário.Para Madalena Duarte, uma das pesquisadoras, as recrutadoras “podem um dia ter sido elas próprias sujeitas a essa situação” e passam a imagem de vida bem-sucedida fora do Brasil. Muitas estão envolvidas afetiva e sexualmente com quem controla o tráfico.A rota começa em Estados do Nordeste ou em Goiás, Rio ou Rio Grande do Sul. As vítimas saem pelos aeroportos do Rio ou São Paulo e desembarcam em Madri, Paris e, em menor número, aeroportos alemães e italianos. São orientadas a pegar ônibus ou vôo a Vigo, a 130 km do Porto, cidade espanhola na fronteira, onde um taxista ou alguém da rede irá buscá-la. Cruzam a fronteira de Portugal com visto de turista e vão parar nos apartamentos ou nightclubs.O taxista português A.R., que trabalha no Porto há 24 anos, buscou uma brasileira em Vigo há 2.
“A rota é conhecida, apesar de ninguém assumir que a faz”, comenta, lembrando que neste ano recebeu proposta para buscar outras duas brasileiras em Madri. “O homem entrou no carro e perguntou quanto era a viagem. Disse 600. Ele me ofereceu 1.200”, conta, negando ter aceitado por perceber que se tratava de tráfico.Para o psicólogo social Luis Santos, “hoje os números que temos representam a superfície, uma casca da ferida. Não sabemos o tamanho do tumor que está por baixo”. E ele considera que nem sempre as brasileiras são vítimas de exploração sexual. “Há mulheres aqui no Porto que se prostituem por 200 em hotéis de luxo. Criam sua página na internet e oferecem seus serviços. Não acredito que alguém assim seja vítima.”
Muitas mulheres também trabalham de forma independente. Anúncios em jornais portugueses, como Correio da Manhã e Jornal de Notícias, estão cheios de expressões como “apart próprio, sozinha”.
O Primeiro-secretário de Assuntos Políticos da Embaixada do Brasil em Lisboa, Gilberto Gonçalves de Siqueira afirma que a embaixada mantém constante ligação entre Polícia Federal e SEF. Duas declarações assinadas pelos governos brasileiro e português facilitam troca de informações e ações em conjunto contra o tráfico de pessoas. O SEF mantém um agente português em Brasília em contato com a PF. Se alguma vítima resolver testemunhar contra traficantes, a embaixada brasileira ainda pode oferecer ajuda monetária.* É repórter-fotográfico e aluno bolsista do Programa Alban - Programa de Bolsas de Alto Nível da União Européia para América Latina.
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