sexta-feira, setembro 12, 2008

Teoria e Jogo do Duende


TEORIA E JOGO DO DUENDE

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de Federico Garcia Lorca

Manuel Torres, o homem de maior cultura no sangue que conheci, disse, escutando o próprio Falla no seu Nocturno do Generalife, esta esplêndida frase: "Tudo o que tem sons negros tem duende". E não há verdade maior.
Estes sons negros são o mistério, as raízes que se cravam no limo que todos conhecemos, que todos ignoramos, mas de onde nos chega o que é substancial na arte. Assim, pois, o duende é um poder e não um obrar, é um lutar e não um pensar.
Ouvi dizer um velho mestre guitarrista: "O duende não está na garganta; o duende sobe por dentro desde a planta dos pés". Quer dizer, não é questão de faculdade, sim de verdadeiro estilo vivo; é dizer, de sangue; é dizer, de velhíssima cultura, de criação no acto.É, em suma, o espírito da terra.
Todo homem, todo artista, cada degrau que sobe na torre de sua perfeição é à custa da luta que sustenta com seu duende, não com um anjo, nem com sua musa. Anjo e musa vêm de fora. Ao duende há que despertá-lo nas últimas habitações do sangue. A verdadeira luta é com o duende. Os grandes artistas do sul da Espanha, ciganos ou flamencos, que já cantem, já bailem, já toquem, sabem que não é possível nenhuma emoção sem a chegada do duende.
A chegada do duende pressupõe sempre uma mudança radical em todas as formas, dá sensações de frescura totalmente inéditas, com uma qualidade de rosa recém-criada, de milagre, que chega a provocar um entusiasmo quase religioso. Em todos os cantos do sul da Espanha a aparição do duende é seguida por sinceros gritos de "Viva Deus!", profundo, humano, terno grito de uma comunicação com Deus por meio dos cinco sentidos, graças ao duende que agita a voz e o corpo da bailarina, evasão real e poética deste mundo.
Todas as artes são capazes de duende, mas onde encontra mais campo, como é natural, é na música, na dança e na poesia falada, já que estas necessitam de um corpo vivo que intérprete, porque são formas que nascem e morrem de modo perpétuo e elevam seus contornos sobre um presente exacto.
Espanha está em todos os tempos movida pelo duende, como país de música e dança milenares, onde o duende espreme limões de madrugada, e como país de morte, como país aberto à morte.Em todos os países a morte é um fim. Chega e fecham-se as cortinas. Em Espanha, não. Em Espanha levantam-se. Um morto em Espanha está mais vivo, como morto, que em qualquer lugar do mundo: seu perfil fere como o fio de uma navalha.
A faca e a roda do carro, e a navalha e as barbas dos pastores, e a lua nua, e a mosca, e as despensas húmidas, e os entulhos, e os santos cobertos de renda, e a cal, e a linha cortante de beirais e varandas têm em Espanha diminutas ervas de morte, alusões e vozes perceptíveis para um espírito alerta, que nos chama a memória com o ar teso de nosso próprio trânsito.
O duende não chega se não vir possibilidade de morte.
Com idéia, com som e com gesto, o duende gosta dos bordos do poço em franca luta com o Criador. Anjo e musa escapam com violino e compasso, e o duende fere, e na cura desta ferida que não fecha nunca está o insólito, o inventado da obra de um homem.A virtude mágica do poema consiste em estar sempre enduendado para baptizar com água escura a todos os que o olhem, porque com duende é mais fácil amar, compreender, e é seguro ser amado, ser compreendido, e esta luta pela expressão e pela comunicação da expressão adquire às vezes, em poesia, caráter mortal.
Em Espanha (como nos povos do Oriente, onde a dança é expressão religiosa) tem o duende um campo sem limites sobre os corpos das bailarinas de Cadiz, sobre os peitos dos que cantam, e em toda a liturgia dos touros, autêntico drama religioso onde, da mesma maneira que na missa, se adora e se sacrifica a um Deus.
Nem no baile espanhol nem nos touros ninguém se diverte; o duende se encarrega de fazer sofrer, por meio do drama, sobre formas vivas, e prepara as escadas para uma evasão da realidade que circunda.O duende opera sobre o corpo da bailarina como o ar sobre a areia. Converte com mágico poder uma menina em paralítica da lua, ou enche de rubores adolescentes um velho rôto que pede esmola nas lojas de vinho, dá a uma cabeleira o cheiro de porto nocturno, e em todo momento opera sobre os braços com expressões que são mães da dança, de todos os tempos.
Sons negros detrás dos quais estão em terna intimidade os vulcões, as formigas, os zéfiros e a grande noite apertando-se a cintura com a via láctea. O duende... Onde está o duende? Pelo arco vazio entra um ar mental que sopra com intensidade sobre as cabeças dos mortos, em busca de novas paisagens e sotaques ignorados; um ar com odor de saliva de menino, de erva pisada e véu de medusa, que anuncia o constante baptismo das coisas recém-criadas.
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A obra foi inicialmente uma ciganaria musical, escrita entre Dezembro de 1914 e Abril de 1915, sob encomenda e em homenagem a Pastora Imperio, na época a mais célebre de todas as dançarinas de flamengo. O libreto deste ballet num acto, era de G. Martinez Sierra, mas foi por iniciativa do compositor – que ouvira a mãe da dançarina, Rosario la Mejorana, interpretar antigas árias ciganas – que o argumento foi desenvolvido e passou a incluir três canções intercaladas na acção.
A primeira representação deu-se em 5 de abril de 1915 no Teatro Lara de Madrid: um fracasso total. A obra deveria se impor na cena somente em 1928, em Paris, com uma outra grande dançarina de flamenco, a Argentina. Todavia, sob forma de suíte de orquestra (e com algumas modificações em relação à partitura anterior), El Amor Brujo devia conhecer uma nova glória: a primeira audição desta versão sinfônica aconteceu em 28 de março de 1916, com a Orquestra Filarmónica de Madrid, regida por Bartolome Perez Casas. A dança ritual do fogo, se tornará rapidamente o movimento mais célebre.

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