segunda-feira, setembro 01, 2008

Braga sou eu de manhã


«Braga sou eu de manhã, quando chego estremunhado, coloco o guarda-chuva no bengaleiro e me sento ao computador, maldisposto. Braga sou eu de manhã, quando, por ti, ajeito o cabelo no reflexo de uma montra. Braga és tu quando desces as escadas e és toda luz no vestido azul. Braga és tu quando me dás os “bons dias” com sono a pender de cada palavra. Braga é gente que entra e sai de autocarros antigos com o raiar do dia na voz. Braga é gente que fala alto, ri muito e dá a mão fácil, como se desde sempre houvesse uma só família. Braga é um galo que nunca vi, ou dois, três (?), na fachada de uma igreja sozinha. Braga é uma igreja que dá lugar a outra, que dá lugar a outra, que dá lugar a outra..., um rosário de igrejas da cor do tempo que os meus olhos exploram com o fervor dos dedos. Braga é o trabalho de cada dia que junto às preocupações de sempre e meto na mala de véspera. Braga é o trabalho de cada dia que teço e só interrompo quando te sinto na luz da janela. Braga é um domingo velho como a Sé, onde passo uma hora, longa, ao som de um órgão que quer chegar ao céu. Braga é um domingo em que o Sameiro dá à alma dos olhos a dimensão da cidade, por um canudo. Braga é gente que se acotovela, molhada, em manhãs de sábados que correm apertados, entre sacos de compras e miúdos que metem o dedo no nariz. Braga é um sorriso de cinco anos que tento roubar antes que a vergonha o enfie no bolso maior da bata listrada de azul e vermelho. Braga é um xaile negro que me abafa com uma ladainha surda. Braga é uma velhinha que pede esmola debaixo de um arco, ao fim da tarde. Braga é o jeito da tua mão, e aquela ruga na testa, quando escreves. Braga é a tua barba de dois dias à segunda-feira de manhã. Braga é um rio sangrado até ao tutano do nome, um lastro de morte sob o cheiro a barroco e a cera. Braga é caldo verde, bacalhau, cabrito, sarrabulhos e pão de ló. Braga é lá para cima, acima da cidade, muito acima da paisagem, Braga é a província. Braga é uma cartada gasta de paus e copas numa mão grossa de fazenda. Braga é o pregão de um sonho no autocarro: uma volta ao mundo aos oitenta e dois anos via euromilhões. Braga é o teu olhar em mim quando me deito e vou contando o bater dos sinos até o reencontrar, de manhã. Braga é saber-te inteiro no meu olhar, quando ponho os óculos de sol para sair, de manhã. Braga é o beijo que o pai dá à filha para amainar a birra por um doce. Braga sou eu quando tenho medo e me torno areia por entre o que dizes».

.

Joana Jacinto, pseudónimo Bárbara Sebastião

2 comentários:

Anónimo disse...

muito bom! parabéns!

Fresquinha disse...

Obrigada, Filipe, e benvindo !

Já agora Feliz Natal e um Ano 2009 iluminado, original e autêntico!