segunda-feira, abril 27, 2009

Salazar visto por Adriano Moreira


Um dos primeiros testemunhos prestados sobre a pessoa e a obra de Salazar, nas semanas que se seguiram à sua morte, foi o do prof. Adriano Moreira, em artigo publicado no Diário de Moçambique, da cidade da Beira, em 2 de Agosto.
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É esse o texto que a seguir se vai ler e cuja oportunidade — infelizmente para todos nós — o tempo decorrido tornou ainda maior: De vela ao cadáver de Salazar, fui-me lembrando de muitos acontecimentos relacionados com a vida pública da nossa terra, em que a sua presença foi dominante. E também de alguns relacionados apenas com o seu modo de ser, que marcou o estilo do governo e da administração, e o estilo de uma geração de dirigentes. Dos que o seguiram e dos que o combateram. Todos marcados, na sua intimidade mais funda, pelo homem e pela sua acção. Recordarei aqui duas imagens persistentes.
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Numa manhã de domingo, do ano de Angola Mártir, fui visitá-lo ao forte do Estoril. Como cheguei a pé, não tocaram a sineta que habitualmente chamava para abrirem os portões do caminho de acesso dos automóveis. Subi a breve escada que ali existe. Ao fundo do pátio, onde se encontra a capela, as portas desta estavam abertas. De frente para o altar, a sós com Deus, Salazar cuidava da toalha, e das flores e das velas. Pensei que não tinha o direito de surpreender esta intimidade. Regressei vagaroso pelo mesmo caminho. Pedi para tocarem a sineta. Quando voltei a subir a breve escada do pátio, já ele estava sentado na sua velha cadeira, mergulhado nos negócios do Estado. Era a imagem de um homem de fé segura, sabendo que haveria de prestar contas. A brevidade da vida iluminada pelos valores eternos. O poder ao serviço de uma ética que o antecede e transcende.
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Acrescento outra imagem desse tempo. Recordo os discursos, as notas, as entrevistas, as declarações, em que sucessivamente definia a doutrina nacional de sempre para a crise da época. Tudo escrito pela sua mão. Mas depois, não obstante a urgência e a autoridade pessoal, tinha a humildade de chamar os colaboradores e, em conjunto, discutir, e emendar. A grandeza natural de quem pode aceitar dos outros, sendo sempre o primeiro. E assim foi exercendo o seu magistério. Com fé em Deus e recebendo agradecido os ensinamentos do povo. Porque nunca pretendeu sabedoria superior à de entender e executar o projecto nacional. E nunca quis mais do que amar até ao último detalhe a maneira portuguesa de estar no mundo, preservando e acrescentando a herança.
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O Ultramar foi a última das suas preocupações maiores. Como se, ao crescer em anos e diminuir em vida, quisesse guardar todas as energias para sublinhar a essência das coisas. Todos os cuidados para a trave mestra. Doendo-se por cada jovem sacrificado. Rezando, e esperando que o sacrifício fosse atendido e recompensado. De joelhos perante Deus e de pé diante dos homens. Humilde com o seu povo, orgulhoso perante o mundo. Assim viveu, acertando ou com erros, mas sempre autêntico. Com princípios. O único remédio conhecido contra a corrupção do poder. E muito principalmente quando se trata de um poder carismático, como era o seu caso. Um desses homens raros que a fadiga da propaganda não consegue multiplicar. Porque ou as vozes vêm do alto ou não existem. Não há processo de substituir o carisma. Por isso, também, essa luz, que tão raramente se acende, é toda absorvida pelo povo, o único herdeiro. Soma-se ao património geral. Inscreve-se no livro de todos. Pertence à História. Transforma-se em raiz. Adriano Moreira
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SALAZAR, UM GRANDE EUROPEU
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1º Não foi a Imprensa, nem foi a Rádio, nem foi a Televisão que, já hoje complexa técnica de violação das consciências, impôs a imagem deste homem. Ele impôs-se por si e pela sua obra. Pode discordar-se deste ou daquele ponto, ou mesmo da linha geral dessa obra, podem apontar-se-lhe hoje os erros e os defeitos, mas o homem aparece já na sua verdadeira dimensão à luz fria da História. Fria, implacável, mas justa. Podem ocultar a autoria nas obras que se deveram ao seu labor e à sua visão de estadista, podem apagar-lhe as estátuas das praças públicas, ou serrar-lhes a cabeça, podem apagar-lhes os nomes das ruas, queimar-lhe os livros, denegri-lo com a raiva das ratazanas ou dos chacais. Nenhum de tais artifícios o apaga da História ou lhe reduz a dimensão extraordinária.
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O homem de que um letrado chinês leu um dia o nome, interpretando-o como «a sabedoria que segura as areias», tem uma grandeza que ultrapassa as fronteiras da sua pátria. Ele foi até ao fim o defensor de uma política de projecção mundial na História do seu tempo. Aguentou-a enquanto viveu. Aguentaram-na os seus sucessores durante mais cinco anos e meio. Por fim a defesa cedeu onde não seria de esperar que houvesse falências. Não importa agora lembrar como nem porquê. Em 25 de Abril de 1974 não foi apenas o Portugal marinheiro, civilizador e apostólico que cedeu, liquidando a fase gloriosa e universalista da sua fase mais crítica, porventura a fase decisiva da sua decadência.
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A cedência de Portugal entregou à Rússia, de mão beijada doze milhões de almas, dois milhões de quilómetros quadrados de terras riquíssimas da África, portos magníficos, domínio potencial prático, a prazo, da África e da Europa, e o controlo dos caminhos do Cabo da Boa Esperança, como já tinha os do Canal do Suez.
Podem os plutocratas da Europa e da América sonhar ainda com as matérias-primas e a exploração financeira do continente negro: são interesses de vistas curtas. Sobreestimaram as suas capacidades e vão perder. Só à custa de muito sangue e sacrifícios incontáveis o imperialismo russo será impedido de se instalar em África e substituir-se ali ao paternalismo dos ingleses, dos franceses, dos belgas e italianos e à fraternal democracia racial dos portugueses.
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Desfez-se meio milénio de História portuguesa, afastou-se a pátria do seu projecto de comunidade de estados unidos pela mesma língua e pelos mesmos interesses, para uma crise tremenda em que vão ser exigidos sofrimentos sem conta, chefes esclarecidos, fortes e honestos, e uma dinamização colectiva que as balbúrdias partidocráticas nunca deram, para se definirem novas linhas mestras da vida da república. Salazar fica, como o defensor, não apenas da sua nação, senão também de uma Europa possível.
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Em oposição consciente ao estadista português, o imperialismo soviético fica devendo a Álvaro Cunhal, cidadão da U.R.S.S., um alargamento de domínio efectivo e um acréscimo de potencial que o colocam, na linha do partido internacional, acima dos Kruschevs e dos Brejnevs, logo a seguir a Staline. Os outros, os comparsas que se meteram e gritaram na agitação, por sórdidos interesses pessoais, pelo delírio das palavras ou pela incontinência das paixões, esse não contam. São a vasa ruim de todas as transformações sociais. Historicamente são zero.
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2 . Há várias maneiras de ser europeu. A mais conhecida hoje é andar de terra em terra, de mão estendida: Uma esmolinha para este pobre que não sabe trabalhar e quer viver à custa alheia! Se não me derem a esmolinha para ir matando a fome, os comunistas inventam um Fidel Castro na pontinha da Europa... Compreende-se que os corifeus deste europeísmo não entendam o daqueles para quem a Europa há-de ser a aliança de países livres, como uma nação é a união de homens, de famílias e de associações livres. Estes, os defensores da Europa histórica, que principiou talvez a definir-se quando, em 480 antes de Cristo, os gregos venceram em Salamina os invasores asiáticos. A Europa foi a harmonia grega na inteligência e na arte, a força, a lei e o sentido de organização do romano, o espírito e o ecumenismo da mensagem cristã, a Hispânia que bateu os mouros, os eslavos que repeliram os tártaros, os germanos fronteiros tradicionais contra as repetidas ofensivas do Leste.
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Esta Europa que chegou ao cume da força política, do fulgor do espírito e da capacidade técnica, cedeu em consequência das duas grandes guerras deste século. Perdeu a hegemonia que tinha, em proveito imediato dos Estados Unidos e da Rússia. Perdeu na subalternização política, no desvalor económico, na desorientação da sua força de alma. Por aí precisamente haveria de começar qualquer salvação possível.
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Para Salazar a Europa não era apenas a geográfica e a histórica, mas também e principalmente a espiritual, social e política, durante séculos identificada com o Cristianismo. Para além da Europa que criou o seu tipo de vida, que absorveu o melhor de todas as civilizações com as quais contactou, que atingiu os níveis mais altos de desenvolvimento técnico e potencial económico, há a Europa espiritual que se estendeu a todo o Mundo e a todos os povos quis estreitar no seu abraço fraternal, mau grado as misérias, os erros, os defeitos de toda a obra humana. Esta Europa, que foi efectivamente, durante séculos, uma realidade moral, sem prejuízo das suas querelas familiares, tinha condições para continuar a viver, desde que reunisse:
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a) a consciência da sua mesma realidade e da sua missão;
b) a força de vontade necessária para agir; e
c) a base económica da sua independência.
Qual a Europa que os homens do nosso tempo pretendem construir?
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3. A ideia de uma Europa unida foi lançada por Churchill, em 19 de Setembro de 1946, num discurso feito em Zurique, mas uma Europa apenas continental, de que a Inglaterra, ainda orgulhosa da sua Commonwealth, seria apenas aliada, tal como os Estados Unidos. Flutuando na imaginação de alguns americanos pouco versados em História, que viam a Europa através do geometrismo basilarmente simplista dos yankies, a ideia veio a ser retomada por Marshall, num discurso que proferiu em 5 de Junho de 1947 na Universidade de Harvard. Dissemos basilarmente simplista, porquanto distinguimos na mentalidade norte-americana, a par do desprezo simplista na apreciação das bases de trabalho o tecnicismo complicativo no desenvolvimento dos métodos. Entre os europeus foi Paul Henri Spaak um dos maiores entusiastas da concepção de uma Europa unida. Spaak tinha contra si um inconveniente: era belga, pertencia a um país composto de duas comunidades diferentes, que não são contudo das nações — os valões e os flamengos. Mas tinha uma vantagem: a de ser europeu. Daí a sua visão até certo ponto equilibrada da Europa que pretendeu formar: — «não satélite dos Estados Unidos, mas parceira válida destes num mundo ocidental organizado e unido para defesa de um certo género de vida», uma Europa cujos componentes, «sem nada renegar da sua dedicação às pátrias respectivas, proclamavam a necessidade de as unir afim de assegurar o seu poderio económico e para além deste a sua força política».
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É claro que, ao lado desta concepção, continuava a dos ideólogos apátridas, que procuravam pura e simplesmente fazer tábua rasa de todo o passado, como se este não fosse uma criação de forças nacionais, mas simples produto da fantasia humana, e traçar a compasso e esquadro os Estados Unidos da Europa. Não especificavam em que língua (há mais de vinte idiomas diferentes na Europa, sem contar com os da U.R.S.S.), nem com que objectivos que não fossem os que poderiam depreender-se da palavra democracia, apesar de esta em alguns países ter sido capa de tiranias e noutros de desordem. Quem acompanhará esses ideólogos nos caminhos de tal abstracção? Os plutocratas europeus e norte-americanos, senhores de um capital sem pátria? As organizações, mais ou menos políticas que efectivamente os servem?
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4. O escritor Henri Massis, da Academia Francesa, uma das grandes figuras da vida intelectual da França, conta num dos seus livros sobre encontros com Salazar, a quem ele chama «o grande europeu»: «Antes de partir para Lisboa, eu tinha ido ver Charles Maurras à clínica de Saint-Grégoire, em Tours. Com que alegria tinha ele escohido aquela ocasião para transmitir a M. Salazar os votos que fazia pela sua felicidade e da sua Pátria: « Dir-lhe-eis, mais uma vez, a minha velha admiração, quase direi a minha ternura, por quem deu, ou melhor, restitui à autoridade a sua feição mais humana.» Depois, Maurras encarregou-me duma mensagem, que eu entreguei a Salazar, a primeira vez que me recebeu na casa de S. Bento onde vivia. Ao atravessar as áleas do jardim, sob os altos arbustos que escondem os muros, eu pensava na casa de Bergson, a vila Montmorency, em Auteil. Como ali, é também a casa do filósofo, a dum meditativo, a dum solitário. A toda a volta, o silêncio. Uma criada abre-me a porta e conduz-me ao salão biblioteca onde Salazar me esperava. Foi de Maurras que ele primeiro me falou, para se informar da sua saúde, da sua liberdade, da vida... O Dr. Salazar não havia esquecido a carta que, da sua prisão de Claraval, Maurras lhe escrevera no ano precedente, para lhe exprimir os sentimentos que lhe inspiravam os seus trabalhos e os seus êxitos, e para lhe dizer também a «curiosidade pungente» com que seguia a nova fase (não crítica, mas grave) em que acabava de entrar a Nação portuguesa, à qual Salazar deu a sua pessoa e o seu nome. Era o 31 de Maio de 1951, no mês seguinte ao da morte do Marechal Carmona. Salazar ia aceitar suceder-lhe como Presidente da República Portuguesa? Salazar interrogou-se e recusou. A carta de Maurras não deixou de o «reconfortar», confirmando-o na decisão que já tomara de continuar a trabalhar no governo do seu País, mantendo-se no lugar mais adaptado à sua maneira de ser e de agir e onde o seu esforço lhe parecia poder ser o mais eficaz.» Os apelos — Tenez! Restez! — contidos na carta do pensador francês eram verdadeira lição de filosofia e de acção política, em todo o ponto condizentes com o espírito e a orientação do chefe do governo português. Independentemente da correspondência, houve uma conversa, verdadeiramente uma conversa, entre Maurras e Salazar, através de Massis. No relato que este nos fez dos seus encontros com o Presidente do Conselho português sente-se como o mestre francês estava ali e de certo modo intervinha. Eram, na verdade, dois presentes mas três interlocutores.
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O problema da Europa e da sua unificação foi também matéria da conversa e aí Salazar expôs a sua opinião: «É preciso encaminhar-se para a conjunção das forças nacionais existentes se se quer refazer uma Europa, e isto por uma política de desenvolvimento, de auxílio mútuo e de afinidades comuns». E acrescentou: «Em vez de condenar as nações mais antigas a dissolverem-se, renunciando às reservas de energia mais latente que são a própria substância do seu ser nacional, não valeria mais usar as forças construtivas que elas contém, a que se arriscam a dispensar-se, a dissipar-se no vasto conglomerado sem alma onde se pretende reuni-las?» Estávamos em 1951. Ainda o problema do assalto ao Ultramar se nos não apresentava.5. Razão tinha Massis para chamar a Salazar «o grande europeu».
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Na verdade; sempre o pensamento do estadista português teve presentes, além dos interesses da sua pátria, os da madre Europa. Em 1938, quando a nuvens negras da guerra se acastelavam no horizonte, dizia ele: «Tem-se a Europa encontrado nos últimos tempos, por mais de uma vez, à beira da catástrofe, e o relativo apaziguamento desta hora não pode garantir-se que sobreviva à resolução de algumas grandes verdades pendentes. Levou-a até aí a política idealista, presa de certos grandes tropos conhecidos e de algumas frases feitas; foi o tempo em que credularmente se admitia a miragem da paz universal e indivisível e da segurança colectiva dos acordos e pactos no quadro da Sociedade das Nações. Esfalfada esta pelo grande esforço a que obrigaram, muito para além das suas possibilidades, eis que de todos os lados se afirma e goza do maior favor a chamada política realista, aureolada por alguns grandes sucessos.
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Por mim, estou em recear tanto uma como outra: preciso para isso de defini-las a ambas» Do confronto das duas políticas resultou a segunda Grande Guerra e desta a queda da Europa, em proveito dos imperialismos soviético e norteamericano. São de 1947, as palavras dolorosas do chefe do Governo português sobre o velho Mundo: «A Europa sofre miséria e tem medo. Medo de quê? Medo da Rússia; medo do comunismo». Meses depois, ao confessar o seu orgulho de europeu «desta Europa simultaneamente trágica e gloriosa» numa das mais belas páginas que porventura haverá escrito, e ao prever angustiado a possibilidade do finis Europae, refere-se ao porto de salvação: «O problema que está posto é se ele (o velho continente) dispõe, com a África, de reservas materiais e morais que lhe permitam recobrar forças para prosseguir o seu papel histórico».
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Doze anos depois, em Maio de 1959, insistia numa das suas prevenções: «Repetirei uma velha ideia, hoje, ao que parece, generalizada: a África é o complemento da Europa, imprescindível à sua defesa, suporte necessário da sua economia. Isto que dizer que grande parte da potência europeia se pode perder com os territórios africanos, ou o que é mesmo, a Europa pode ser batida em África». 6. Em 12 de Agosto de 1963, já a luta decorria em Angola, Salazar fez um discurso, segundo ele próprio disse, para ver se nos entendemos. É uma lição de grande amplitude, sobre o problema da Europa e da África, onde os elementos de acção são claramente individualizados: «Sabe-se qual o pensamento comunista em relação à África. Lenine dividiu a evolução em três fases — anticolonialismo, nacionalismo, comunismo; e embora a posição leninista tenha sido revista em 1960, a linha geral manteve-se e pode dizer-se que a primeira fase, ou seja, a descolonização, se encontra quase inteiramente realizada. Seria pueril que o regime mais colonialista do nosso tempo, pois submeteu ao seu domínio muitos Estados livres e reduziu a colónias territórios que deviam ter sido libertados, seria pueril pensar que esta vasta operação política tenha um mínimo de propósito libertador dos povos africanos. O que se passa é que, constituindo o conjunto de África comunidade de tipos diversos com os países europeus ocidentais, a desintegração do sistema provocaria só por si uma diminuição do respectivo potencial económico e político.
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A satisfação com que de alguns sectores nos afirmam não verem em África constituídas sociedades comunistas, o que demostraria a incapacidade de Moscovo de aí se estabelecer, faz-nos sorrir, porque o que Moscovo desejava fazer está sendo feito pelo Ocidente e o resto do programa será a seu tempo executado. Em todo o caso sabe-se que a Rússia está por detrás de todos os movimentos de pseudo-emancipação, se estabelece discretamente por toda a parte e mantém com os chefes os contactos necessários de carácter económico, político e cultural, para marcar sem sobressaltos a sua presença e acção.
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Desses contactos nascerão os frutos que hão-de colher-se, mas só quando estiverem maduros.» Prossegue Salazar na análise da política norte-americana em África, toda ela conducente ao benefício do comunismo e à liquidação da Europa como força política válida. Tem-se visto como, infelizmente, os factos lhe têm dado razão. Melhor do que ninguém, Salazar viu as razões da crise e os perigos de vida da Europa. No seu pensamento político há muito que meditar e que não pode ser esquecido por quem quer que, depois do esgotamento a que a mediocridade de hoje nos tem arrastado, terá um dia de refazer o corpo e a alma da Europa, para que não seja simples guarda avançada ou campo de batalha dos norte-americanos, nem satélites envelhecidos de hegemonia soviética.

A Rua

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