Uma espanhola
Vive no meu prédio, cruzo-me com ela todos os dias, é a mulher mais bonita da minha rotina. Deve saber o que penso dela, tudo por causa daquela fracção de segundo extra em que o olhar se demora. Tento ser discreto. Ela vive com um homem, espanhol também. Percebi que era espanhola à primeira vista. Aliás, não lhe conheço a voz, isto é tudo golpe de vista. Foi pelas roupas e pelo porte, a forma de se mover altiva mas sem arrogância. Parece-se com outra espanhola que conheço, o que também deve ter influenciado o palpite. Hoje encontrámo-nos na cave. Ela dobrava a roupa lavada e eu enfiei a minha no secador e sentei-me a ler um livro. Ali nos demorámos uns 15 minutos. Não dirigimos a palavra um ao outro e fiquei entrincheirado nas páginas. Só no fim, quando ela estava de saída, cruzámos o olhar. Fui incapaz de sorrir. Provavelmente pensa que sou antipático, mas não me pareceu correcto dirigir a palavra a uma mulher que dobra roupa interior. As lavandarias públicas são lugares tão ou mais embaraçosos do que balneários comunitários. Perdoem a inconfidência: o companheiro dela tem umas cuecas com cabecinhas do rato Mickey. Fiquei algo esperançoso, mas a verdade é que eles parecem felizes. Em matéria de gostos a discussão é possível, mas há um reduto inviolável.
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