sábado, julho 26, 2008

no começo

No começo, podíamos fazer de tudo. Não tínhamos nada, e nada nos era negado. Trepar com quantas fêmeas - ou machos - quiséssemos, endoidar afú bebendo chá de cipó, fumar toda a savana, brigar por farra, perambular pelado sem nada pra se preocupar. Nem a bunda tínhamos que limpar!


Mas aí a coisa estava muito boa para ser verdade, e alguém - provavelmente um sujeito de pau pequeno que não comia ninguém durante as farras ou uma mulher feia que ninguém comia durante as farras - inventou Deus. Deus e a religião. E um livro de regras. E aí ninguém mais fodeu, bebeu e perambulou pelado por um bom tempo. Em compensação brigar...


Só que, sabe como é, um jeitinho aqui e ali, conversa vai, conversa vem, e decidiram que, ah, beber vinho nos dias santos pode. E trepar também, desde que sob a concordância do rei - e ele comeria sua mulher antes, sim, porque nada é fácil nessa vida. E só para a reprodução, então tome filho no mundo.


E as coisas estavam começando a voltar àquela zorra gostosa de outrora quando uns sujeitos - provavelmente um sujeito de pau pequeno que não comia ninguém durante as farras e uma mulher feia que ninguém comia durante as farras - inventaram de matar deus e criar a ciência. E a ciência virou uma religião. E não com um, mas vários livros de regras, e com regras que mudam a toda hora.


Aí a carne vermelha começou a fazer mal. E gordura virou um troço a ser evitado a qualquer custo. Assim como ovo, farinha e açúcar. Alface, tomate e água, ó sim, taí o que vocês precisam pra viver. O negócio chegou a ponto que matar bicho também não podia mais - a não ser peixe, que não tem como levar pra passear.


Bom, pelo menos podíamos continuar trepando. E contínuamos, e fomos bem, pílula, camisinha, amor livre, ninguém é de ninguém, DST era uma pereba que sarava com pomada até que... AIDS. Pronto. Fodeu de novo. Digo, não fodeu. Não dava mais pra trepar sossegado. Epidemia. A culpa é dos bichas. A culpa é das mulheres. A culpa é de um macaco africano. A culpa é nossa. Risca o sexo, pronto.


Mas mesmo sem poder trepar, dava pra fumar! Depois de uma preliminar bem feita, era só estender o braço e acender um careta pra ficar legal. Até dizerem que ele causava câncer. Sim, pesquisas e mais pesquisas, certo, comprovado, não tem erro, morte ao tubinho de nicotina. Nem cigarrinho de chocolate mais era permitido. Campanha educativa na criançada, foto de gente lazarenteada, fetos podres, pulmões podres, banimento da propaganda, ah, cerca eles num canto qualquer que essa fumaça vai fazer cair o meu permanente. Você fuma? Ai, que nojo, beijar quem fuma é como lamber cinzeiro, ai, que cheiro, ai, os dentes amarelos, ai, empestou todo o lugar, ai, você gasta mais com cigarro que com leite pras crianças. Risca o cigarro.


Só restava o álcool. O árco. O velho e bom demónio da garrafa. Tínhamos que meter todas as nossas frustrações em algum lugar, e era no alambique que a coisa acontecia. Até hoje. Até meia-dúzia de zé ruela não segurar a bronca e cagar o pau matando gente. Aí perdeu a graça. E pronto, risca o árco também.
Sem carne com capa de gordura. Sem promiscuidade. Sem cigarro. E agora sem bebida.



Eu só acho isso:
Autor: Gustavo Brigatti

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