domingo, novembro 09, 2008

de gente colorida do aralho



*oda-se!
por Millôr Fernandes (adaptado)
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O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "*oda-se!" que ela diz. Existe algo mais libertário do que o conceito do "*oda-se!"? O "*oda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Liberta-me.
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"Não quer sair comigo?! - então,*oda-se!"
"Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então,*oda-se!"
O direito ao "*oda-se!" deveria estar assegurado na Constituição. Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
"Comó *aralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "comó *aralho"? "Comó *aralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.
A Via Láctea tem estrelas comó *aralho! O Sol está quente comó *aralho!O universo é antigo comó *aralho! Eu gosto do meu clube comó *aralho !O gajo é parvo comó *aralho!
Entendes? No género do "comó *aralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te *odas!". Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem. O "nem que te *odas!" é irretorquível e liquida o assunto. Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida. Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência. Solta logo um definitivo:
"Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te *odas!".
O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD (...)
Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "*uta que pariu!", ou o seu correlativo "*u-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante, qualquer "*uta-que-o-pariu!", dito assim, põe-te outra vez nos eixos. Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso "vai levar no *u!"? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do *u!"? Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta:
"Chega! Vai levar no olho do*u!"?
Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima. Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios. E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "*odeu-se!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se *odeu!". Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa.
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Algo assim como quando estás a sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? "Já me *odi!" Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos,a saúde, a educação e … a justiça são de baixa qualidade, os empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a desejada reforma tem que aumentar … tu pensas “Já me *odi!”
Então:Liberdade, Igualdade, Fraternidade e *oda-se!!!
Mas não desespere: Este país… ainda vai ser “um país do *aralho!”Atente no que lhe digo!

2 comentários:

Anónimo disse...

É "óda", como dizia a "mãe" que me paiu.
Strix.

Fresquinha disse...

Põe os dentes, Strix !