vamos estipular que o poema é uma espécie literária com dois géneros, o feminino e o masculino, e que por isso existem o homem poema e a mulher poema. escutemos, pois, o diálogo entre eles:
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- diz à noite que se deite sobre ti, pronuncia-lhe o nome com o músculo vaginal, por forma a que, do teu corpo ao corpo da noite, seja uma só pele de sombras.
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neste momento, o homem poema começa a fazer o vento.
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- pede à noite que escreva um prodígio no teu ventre, algo que torne inteligível uma curva dos teus seios, ou um tratado sobrenatural que explique o desejo.a mulher poema abre as pernas para que assim se faça sobre ela.
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nota: há toda uma metafísica a explorar sobre o exacto momento em que a mulher poema abre as pernas à noite, nomeadamente devido às rajadas de vento causadas pelo homem poema, mas deixemos essa questão para os cientistas que estudam a origem das espécies
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aviso: a segunda parte deste diálogo contém linguagem secreta apenas falada entre um homem poema e uma mulher poema. tendo em conta o significado destas palavras, convém situar o diálogo num habitat adequado ao que se vai dizer.
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coloquemo-nos, então, num quarto vazio e mal iluminado, longe das fezes da cidade. o problema de muitos poemas é que não dão ao leitor um mapa. não basta dizer um quarto com uma breve referência escatológica. devemos orientar o leitor.
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afastemo-nos das praias têxteis. caminhemos toleradamente nus na rebentação. a linha do mar há-de levar-nos ao deserto. sob a areia abandonaram um quadro, a moldura está partida, os olhos da solidão boquiabertos. entremos, agora, em casa.o homem poema está com uma erecção.
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damos as mãos e guardamos para dentro tudo o que vemos. o membro dele aproxima-se da jóia nocturna. carrega intacta uma porção de luz que encandeia o leitor. não só não vê, como não ouve a mulher poema:
- fode-me um filho.
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Autora: Alice Macedo Campos
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