sexta-feira, janeiro 05, 2007

a classe de um Embaixador



Há dias, um aprendiz de jornalista brasileiro de Porto Alegre, de seu nome Polibio Braga, publicou a seguinte notícia:

«Portugal não merece ser visitada e os portugueses não merecem nosso reconhecimento.

Há apenas uma semana, em apenas quatro anos, o editor desta página visitou pela quinta vez Lisboa, arrependendo-se pela quarta vez de ter feito isto. Portugal não merece ser visitada e os portugueses não merecem nosso reconhecimento. É como visitar a casa de um parente malquisto, invejoso e mal educado. Na sexta e no sábado, dias 24 e 25, Portugal submergiu diante de um dilúvio e mais uma vez mostrou suas mazelas. O País real ficou diante de todos.

Portugal é bonito por fora e podre por dentro. O dinheiro que a União Européia alcançou generosamente para que os portugueses saíssem do buraco e alcançassem seus sócios, foi desperdiçado em obras desnecessárias ou suntuosas. Hoje, existe obra demais e dinheiro de menos. O pior de tudo é que foi essa gente que descobriu e colonizou o Brasil. É impossível saber se o pior para os brasileiros foi a herança maldita portuguesa ou a herança maldita católica. Talvez as duas .»


Esta Nota mereceu a seguinte resposta do nosso Embaixador:


Brasília, 8 de Dezembro de 2006
Senhor Políbio Braga

«Um cidadão brasileiro, que faz o favor de ser meu amigo, teve a gentileza de me dar a conhecer uma nota que publicou no seu site, na qual comentava aspectos relativos à sua mais recente visita a Portugal.

Trata-se de um texto muito interessante, pelo facto de nele ter a apreciável franqueza de afirmar, com todas as letras, o que pensa de Portugal e dos portugueses. O modo elegante como o faz confere-lhe, aliás, uma singular dignidade literária e até estilística. Mas porque se limita apenas a uma abordagem em linhas muito breves, embora densas e ricas de pensamento, tenho que confessar-lhe que o seu texto fica-nos a saber a pouco. Seria muito curioso se pudesse vir a aprofundar, com maior detalhe, essa sua aberta acrimónia selectiva contra nós.

Por isso lhe pergunto: não tem intenção de nos brindar com um artigo mais longo, do género de ensaio didáctico, onde possa dar-se ao cuidado de explanar, com minúcia e profundidade, sobre o que entende ser a listagem de todas as nossas perfídias históricas, das nossas invejazinhas enraizadas, dos inumeráveis defeitos que a sua considerável experiência com a triste realidade lusa lhe deu a oportunidade de decantar? Seria um texto onde, por exemplo, poderia deter-se numa temática que, como sabe, é comum a uma conhecida escola de pensamento, que julgo também partilhar: a de que nos caberá, pela imensidão dos tempos, a inapelável culpa histórica no que toca aos resquícios de corrupção, aos vícios de compadrio e nepotismo (veja-se, desde logo, a última parte da Carta de Pêro Vaz de Caminha), que aqui foram instilados, qual vírus crónico, para o qual, nem os cerca de dois séculos, que se sucederam ao regresso da maléfica Corte à fonte geográfica de todos os males, conseguiram ainda erradicar por completo.
Permita-me, contudo, uma perplexidade: porquê essa sua insistência e obcecação em visitar um país que tanto lhe desagrada? Pela quinta vez, num espaço de quatro anos ? Terá que reconhecer que parece haver algo de inexoravelmente masoquista nessa sua insistente peregrinação pela terra de um "parente malquisto, invejoso e mal educado".

Ainda pensei que pudesse ser a Fé em Nossa Senhora de Fátima o motivo sentimental dessa rotina, como sabe comum a muitos cidadãos brasileiros, mas o final do seu texto, ao referir-se à "herança maldita católica", afasta tal hipótese e remete-o para outras eventuais devoções alternativas.

Gostava que soubesse que reconheço e aceito, em absoluto, o seu pleníssimo direito de pensar tão mal de nós, de rejeitar a "herança maldita portuguesa" (na qual, por acaso, se inscreve a Língua que utiliza). Com isso, pode crer, ajuda muito um país, que aliás concede ser "bonito por fora" (valha-nos isso !), a ter a oportunidade de olhar severamente para dentro de si próprio, através da arguta perspectiva crítica de um visitante crónico, quiçá relutante.

E porque razão lhe reconheço esse direito ? Porque, de forma egoísta, eu também quero usufruir da possibilidade de viajar, cada vez mais, pelo maravilhoso país que é o Brasil, de admirar esta terra, as suas gentes, na sua diversidade e na riqueza da sua cultura (de múltiplas origens, eu sei). Só que, ao contrário de si, eu tenho a sorte de gostar de andar por onde ando e você tem o lamentável azar de se passear com insistência (vá-se lá saber porquê!), pela triste terra dessa "gente que descobriu e colonizou o Brasil". Em má hora, claro!

Da próxima vez que se deslocar a Portugal (porque já vi que é um vício de que não se liberta) espero que possa usufruir de um tempo melhor, sem chuvas e sem um "dilúvio" como o que agora tanto o afectou. E, se acaso se constipou ou engripou com o clima, uma coisa quero desejar-lhe, com a maior sinceridade: cure-se !
.
Com a retribuída cordialidade do
Francisco Seixas da Costa
Embaixador de Portugal no Brasil


2 comentários:

Serenity disse...

A maior parte dos Brasileiros que cá estão dizem mal de Portugal, só que se esquecem que estão cá e é cá que ganham o dinheiro que na terra deles não conseguem (porque não tem trabalho ou porque não querem fazer nada pelo país deles).
Quando os ouço dizer mal do meu rectângulo à beira mar só me dá vontade de lhes gritar para irem para a terra deles comer areia às colheres!

Fresquinha disse...

Serenity,

Compreendo muito bem a tua raiva. Estar num país alheio, que nos dá trabalho e condições de vida que não se tem no país de origem, é um privilégio e uma dádiva que se deve agradecer e apreciar. O que acontece, é que o autor desta bosta de artigo não é representativo de um povo. É um brasileiro dos mal educados, que vem como visita e se porta da forma que vimos. Mas há muitos brasileiros, e conheço alguns, que são felizes em Portugal e se sentem muito reconhecidos por cá encontrarem uma qualidade de vida que nunca teriam no Brasil.
E portanto não é justo, julgar um povo pela opinião de um infeliz.
Vivi muitos anos fora de Portugal porque me casei com um estrangeiro, e conheci portugueses (poucos) que infelizmente também diziam mal dos países de acolhimento. O que eu reprovo, naturalmente.
Portanto, só nos resta, mandar este Poliban de Braga apanhar couves da forma mais elegante que conseguirmos, esperar que não hajam muitos como ele e continuar alegremente a receber os bons e educados brasileiros da maneira única que só nós sabemos.