segunda-feira, outubro 06, 2008

Hell



London Elektricity 'All Hell Is Breaking Loose' from RadarMusicVideos on Vimeo.

O Quinto dos Infernos

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Para os colonizadores portugueses, que levavam a quinta parte (20%) de todo o ouro que se extraía no Brasil, isto aqui era o quinto dos infernos, terra de bugres mal-cheirosos. Toda essa grana era enviada para Portugal. Quando o navio, carregado com o ouro brasileiro, apartava em Lisboa, havia quem dissesse, torcendo o nariz: "Lá vem a nau do quinto dos infernos!"Apesar de grosseira, a expressão tem origem teológica, veja você. Na Idade Média, a Igreja definiu quatro tipos de inferno. O primeiro, o seio de Abraão, onde os papas passariam um tempo para sua purificação final; o segundo, o limbo, para onde iriam as criancinhas pagãs; o terceiro, o purgatório, onde as almas justas cumpririam estágio antes de serem admitidas no Paraíso; o quarto, o inferno propriamente dito, onde os pecadores arderiam eternamente. O quinto o pior deles tinha suplícios inenarráveis. Para lá se mandariam os piores inimigos. A rainha Carlota Joaquina, que detestava o Brasil, não perdia oportunidade de nos desancar. Ao embarcar de volta para Portugal, soltou a praga: "Até que enfim saio do quinto dos infernos".

Nunca ninguém desejou a você que fosse para “os quintos dos infernos”? Ou você nunca mandou que um seu desafecto fosse para “os quintos dos infernos”? Pois então, essa expressão que significa o auge da rejeição, o desejo da maior desgraça possível a alguém. “Vá p'ró inferno” você já ouviu, certamente, mas esse é fraco e até meio charmoso, muito usado pelas mulheres em relação aos seus parceiros, nos momentos tensos. Porém, quando o xingador especifica o lugar do inferno que ele quer que você vá, a coisa é grave e cheia de desesperança. E quando a coisa vem no plural, é para que não haja mais dúvidas, é porque não tem mais jeito.

Pois bem. O quinto do inferno, saiba você, é a parte mais próxima do chefe, o Lúcifer. É aquela para onde vão os traidores. Na baixa Idade Média, ainda no primeiro milênio, o Inferno era mais simples, assim como na década de sessenta do século XX, quando eu era criança. Era um lugar único, onde os pecadores eram jogados de cabeça para baixo e pronto. Era um lugar chatíssimo, embora quente. O Lúcifer ficava à vista de todos, qualquer um podia falar com ele, os pecadores todos misturados e sem crachá, era uma anarquia totalizante e improdutiva.

Na Idade Média, como você sabe, a Igreja mandava em tudo, moldava tudo. Era Deus no céu e o Papa na Terra. O Papa era rei de verdade, com território, exército e economistas. E os outros reis, que eram milhares e muito fracos, se submetiam ao império papal. Daí que o Inferno era simples por causa disso, por mesquinhez do Papa, um grande buraco sem conforto algum, sem divisão alguma, sem verbas de manutenção. Afinal, o Lúcifer era um anjo rebelde e o Papa não gostava de gente rebelde. Logo, ele não ia prestigiar o território do seu desafeto. Isso por um lado. Por outro, havia a má vontade geral para com o luxo e a diversidade e os arquitetos papais torciam o nariz para qualquer ambiente com mais de dois espaços.

Entretanto, a humanidade evolui. Ali pelo séculos XII, XIII, alguns humanos já estavam de saco cheio daquela monotonia infernal. Alguns faxineiros e jardineiros dos conventos e mosteiros, durante suas jornadas de trabalho, demoravam mais dentro das bibliotecas. Um livro caía, eles repunham na estante... Muitos livros caíam abertos... Já havia a praga da curiosidade... O fato é que descobriram Aristóteles, Virgílio e vários outros gregos e romanos e outros mais. Sabe como é, quinhentos anos é muito tempo, dá tempo para ver muitos livros caídos com as páginas abertas... Enfim, descobriram que havia gente estudando e escrevendo sobre o Inferno havia uns três mil anos e que aquela simplicidade toda divulgada pela Igreja era apenas uma tática para desvalorizar a concorrência. O Inferno era muito mais sofisticado. Tudo aqui.

Foge de mim Lucifer/ que te esmago se eu quiser/ com pilão ou com colher/ para depois te
comer/ Va de retro Satanás/ que te meto no cabaz/ onde esmagado serás/ pelas pinças da tenaz/
vai à vida Belzebu/ mete os cornos no baú/ que te embrulho em pano-cru/ e te como com peru/
glu glu glu glu glu glu glu (VIEIRA, 2006, p. 7)2.

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