sábado, julho 19, 2008

Eu que me comovo por tudo e por nada


Vitorino - Parte I
by mariusangol Vitorino canta António Lobo Antunes

Assunto relacionado: Porque odeio António Lobo Antunes

Autor: Carlos Gil

Primeiro o óbvio, pois não há nada como começar por contar os pecadilhos, auto-absolvição: porque escreve como eu gostava de escrever. O 'enrolar' das palavras, harmónicas na envolvência que geram, a certa e não a excessiva, a frase limpa de adjectivos supérfluos: vai-se lendo e descende o entranhar-se da escrita por nós adentro, simplicidade frase a frase, ideia a ideia, caligrafia de intimidades: ‘nós’ passamos a personagem e autor: meio envergonhados por leitores nos lermos assim, despidos, nus, por ‘ele’ nos ter caçado e, o sem-vergonha, o puto mariola da escrita, ter-nos tão bem desenhado; mais a outra meia de nós olhando e resmungando que afinal é tão fácil, tão claro, que, até nós, frustrados nós…. O gajo fotografa muito bem e isso dói a quem, como eu e se calhar tu, tem pena, inveja e mais umas coisas de não o conseguir assim, mão firme e jorro de arte. Eis a primeira razão porque odeio o ALA. Mas há mais…
Lembram-se de duas crónicas, na ‘Visão’, em jeito de manual de as bem-fazer? a da caça à pacaça e daquela onde dá a volta ao redondel e conta como, a final, se dá o murro certo no estômago do leitor, como se arruma com ele e deixa-se-lo de página à banda, o olhar siderado e fixo no nada, nada que é o seu triste vazio pois nem com tal explicação consegue, leitor copiador, voyeur invejoso, escrever assim? Pois é… ele não só o faz, arrumar connosco, leitores, como tem a desfaçatez, o cara sem-vergonha, de contá-lo e explicá-lo, de ensinar como se faz… Como se fosse assim, dois tiros em duas linhas e já está. Como se fosse assim, cábula na mão e folha em branco e já está. Como. O raio que o parta! “a mão que escreve”… o raio que o parta, eis a razão número dois e ainda a procissão está a sair do tinteiro.
Em terceiro vem que ainda é mais feio que eu. Ora desde os clássicos russos (e, talvez antes, desde o Kafka, Fourier e outros abomináveis homens da escrita) que é lei e norma que um escritor que o queira ser de face e alma abdica de metade para enriquecer a outra, a que segura a tal mão que escreve sozinha. Aquele olhar de menino perdido nas areias das praias, o puto de Benfica que revisita e revisita o seu bairro de infância, em cada tijolo uma memória e em cada calhau uma pérola, esse trombil deveria ser meu. Mas não é, ele está a roubar-mo e isso chateia-me. O seu olho azul irrita-me (sempre achei, desconfiado, que nesse azul estava o seu segredo) mas, já sob opinião médica, as minhas dioptrias não permitem que eu use lentes de contacto. Também por isso o odeio, fealdade que assumo.
Em quarto, que não tarda e já somos um clube, amanhã uma manif. Ora eu gosto de ser e quero continuar a ser um cavaleiro solitário, um masturbador na escrita. Para exibicionista do parque de Bolonha basta ele que quinzenalmente abre a gabardina e mostra mais uma página, anualmente despe-se todo para regalo primeiro dele: delicia-se com o pirilau ao léu mesmo que diga que quer apertar o botão e reformar-se, depois também prazer nosso, amantes da beleza nua, bem desenhada e escrita, rococós incluídos como ele conta e diz, Tomar sempre revisitado.Em quinto porque é rico: paga as contas com a escrita, eldorado e meu euromilhões, eu aqui ali e em sonhos semanalmente apostando uma fortuna - eu mesmo, tudo o que tenho!, e dos céus não cai nem uma estrela nem um jackpot nem um bestseller: nada mais que um ou dois números sem erros ortográficos, há vezes em que sai uma estrela da sorte e ganho a palmadinha do "assim sim". Penhorava tudo o que tenho para ser rico assim. Ele é-o, minha raiva por não sê-lo. Mas jogo, blogojogo. E queixo-me, como hoje, como sempre que o leio e marco a página ora com uma factura ora com um requerimento, ora com este queixume invejoso escrito.Depois há aquele ar de sonso, de quem não parte um prato mas está sempre a espreitar as pernas da prima. Um boémio dissimulado, um Assis Pacheco e um Cardoso Pires misturados e travestidos em Agustina (dois santinhos dele, juntei outro, meu), no colo casta renda em ponto-de-cruz mas com desenhos pornográficos. Ora espreitar as pernas à prima todos o fazemos, a gaita e a inveja é que sendo ele a fazê-lo e a escrevê-lo ela não se chateia e, até suponho, as abre mais um niquito, o tal ‘cadinho que é um tsunami de promessas em sonhos, erecções nocturnas e escritas diárias. Um boémio disfarçado com cara angelical, até as rugas e a calvície têm bom-ar, ar de missionário em paróquia feminina. Vá eu espreitá-las e levo logo um chapadão ou vão queixar-se à mãe. Seis, e esta é de peso.Tantas seis razões, tão motivos para parar já e ir fazer o que tem de ser feito: se calhar copiá-lo, se calhar inventar-me, molhar o dedo e vamos a isto: escrever, deixar de escrevê-lo e escrever-me. Até já, desculpa lá ó pá.

10 comentários:

xico.lf disse...

Obrigado, Fresquinha!
Já não via e ouvia o Vitorino há uns tempos, vi este Espectáculo dele e última vez que o ouvi e vi foi noutro ambiente, no Bêleza (não sei se se esvreve assim ), em Santos, apreceu lá e o Tito paris pediu-lhe para cantar.
Gosto dele, como músico e como pessoa.
:))

Fresquinha disse...

Eu não gosto da sua costela esquerda mas ... tenho que admitir que o homem canta. E como adoro o António Lobo Antunes, junta-se o útil (Vitorino) ao agradável (ALA).
:-)

Anónimo disse...

António Lobo Antunes um namorado meu... Já vão alguns anos era uma menina e ainda o sou comparada com a idade dele.
Cada vez mais surdo e solitário...
Um Homem que poucos compreendem e fascina algumas mulheres.(A mim jamais me fascinou)
Um desafio a cumprir que se fez luz=))
Vitorino muito "amigo" do António mas nem por isso o aprecio. GOSTOS
Ana

Fresquinha disse...

Ana,

Cresci com a família Lobo Antunes. Conheço sobretudo o Nuno,visita de todos os dias em casa dos meus tios em Benfica, com quem vivi, pedopsiquiatra, bonito toso os dias, vaidoso até vomitar mas um brilhante profissional. (Nem percebi como se pudesse casar com a Filipa a Granel, mas enfim ...). Lembro-me que quando voltou de Nova York, onde tirou a pós-graduação, só falava inglês connosco. À emigrante. :-)))

Conheci o António e o João de passagem mas não convivi com eles. Eram mais velhos que eu. Sim, o António, tem a necessidade de ser "surdo" para ser o que é. Apenas o melhor escritor português contemporâneo que temos. Um génio. Tímido, e metido no seu mundo. Aliàs, o mundo dele é bem mais rico / interessante do que o nosso.

Saramago (duvido que sejam amigos, como se sabe) é alguém que eu NÃO admiro. Por várias razões. Não gosto. Tenho até "medo" de o ler. Mesmo sendo detentor de um prémio Nobel. Se concordarmos com as ideias dele, é possível que se veja O Escritor ... Agora, deram-lhe a Casa dos Bicos para Museu. Bem dado (foi mais um bico ...)!

xico.lf disse...

Sei que o Vitorino na política fica nos meus antípodas mas nunca falámos de política nem me tentou vender as ideias dele. Tratámos de programas e foi sempre correcto e não regateiro, ao contrário de outros que sabem que sou da mesma "área"!

Anónimo disse...

Temos algo em comum (?) Conheco a familia Lobo Antunes e convivi com alguns deles o bastante. Através de uma grande Senhora Ana Maria Caetano filha do Marcelo Caetano(muito mais velha que eu)com quem trabalhei(não no colégio, mas sim em outras areas) que eu muito admiro e sou amiga.Terapeuta de fala com colégio em Benfica onde a familia Lobo Antunes residia. A Felipa Garnel conheço bem uma excelente pessoa com umas Lindissímas filhas (do Nuno) e um rapaz já um homem-menino lindo. Cresci com a Felipa somos mais ou menos da mesma idade.
O António é uma figura muito interessente e um excelente escritor. Conheci o Hospital Miguel Bombarda onde ele dava consultas e ainda hoje vai ás quarta-feiras(não todas) com o António a fazer de guia. O livro conhecimento do Inferno foi-me oferecido nesse mesmo dia. Continuo a falar e ser amiga do António. (Temos amigos em comum alguns deles foram pupilos na psiquiatria do Antonio).Não me fascina como homem, mas sim como escritor e Ser muito diferente da maioria dos mortais.
... Imenso que haveria para contar.;)
Ana

Fresquinha disse...

Sem dúvida que conhecemos pessoas em comum. A Filipa é amiga das minhas cunhadas e pleo que julgo saber houve namorico entre o meu marido e a Filipa há muitos anos. Mas não é por aí que conhecemos pessoas em comum. Sou casada com um sobrinho do filho do Marcelo Caetano. O tio Miguel Caetano, irmão portanto da Ana Maria Caetano.
Também sou sobrinha de uma terapeuta da fala (mas isto já é coincidência) e daqui a pouco, se calhar até nos conhecemos. :-)
Vivi na Rua das Garridas, no Bairro de Santa Cruz e uma das minhas primas (falecida há muito pouco tempo) era professora num colégio na Estrada de Benfica, perto de Sete Rios. Fala no colégio da mesma rua dos Lobo Antunes ? Se foi aí, andaram lá os meus primos e uma irmã minha ...

Anónimo disse...

Já nos contactamos algumas vezes...
Sobre assuntos de outra area. Tenho um grande amigo(algum tempo) que não estou com ele na Rua das Garridas (Nuno o Musico que ia apanhar maçãs para o Sardoal) Louco=)
Nós até conhecemos o Padre António=) ;)))

Fresquinha disse...

Já ??? Não me recordo, sinceramente.

Nuno Castello Branco ?

Anónimo disse...

Conheço esse Nuno Mas não é de todo ele.
Já nos contactamos algum tempo. Mas não é de grande importância. Recordar-se-á de mim com outro do meu nome.
... Não é importante_____________
=)