Uma história de paixão, da autoria do CHEFE HÉLIO LOUREIRO
(Porto Palácio Hotel)
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Para alguns, a memória dos avós são histórias à volta da lareira, em serões de noites frias, nas paisagens transmontanas ou minhotas. Para mim são sabores e cheiros de uma mesa farta e rica, gastronomicamente falando.
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Para alguns, a memória dos avós são histórias à volta da lareira, em serões de noites frias, nas paisagens transmontanas ou minhotas. Para mim são sabores e cheiros de uma mesa farta e rica, gastronomicamente falando.
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O meu avó, chefe de cozinha, levava, em tachos atulhados, lampreia à bordalesa , aromas de pimenta preta, cravinho, de folhas de louro e o toque sublime do vinagre, como que a assinar uma obra de arte, com a qual nos deliciavamos, em garfadas abundantes, acompanhadas de tostas ou de arroz branco, sempre carolino.
As histórias, vinham depois, patranhas fantásticas, contos do além ou ancestrais em que a verdade e a fantasia andavam juntas e se comportavam como almas gémeas.
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Foi assim, no meio destas memórias, que fui buscar o início da nossa lampreia, cada um tem a sua, porque à lampreia ninguém fica indiferente ou se adora ou se odeia, ou é um deleite cada pedaço ou, um asco enorme de repulsa e de horror.
Parece que estou a falar de outra coisa que não de lampreia, parece que falo de sentimentos que como dizia o poeta....ou tudo ou nada, amar ou odiar ...........
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As histórias, vinham depois, patranhas fantásticas, contos do além ou ancestrais em que a verdade e a fantasia andavam juntas e se comportavam como almas gémeas.
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Foi assim, no meio destas memórias, que fui buscar o início da nossa lampreia, cada um tem a sua, porque à lampreia ninguém fica indiferente ou se adora ou se odeia, ou é um deleite cada pedaço ou, um asco enorme de repulsa e de horror.
Parece que estou a falar de outra coisa que não de lampreia, parece que falo de sentimentos que como dizia o poeta....ou tudo ou nada, amar ou odiar ...........
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Recordo sempre que era proibido beber água com este debique:
– Olha que ficas triste - dizia a mãe, e, eu, bebia um sumo de laranja, que não combinando em nada com a iguaria, era melhor que a tristeza a que seria submetido se bebesse água.
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Até há pouco tempo, não sabia porquê – sim até há pouco tempo, pois, por motivo de doença ligeira, tive que comer lampreia com água e fiquei realmente triste ..... porque o vinho que estava a servir era bem melhor que aquela elementar e cristalina água oh! que tristeza.
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A história deste ciclóstomo é tão grande e extensa como a humanidade, até foi perseguida e proibida, qual lutadora pela sua liberdade culinária, os judeus de acordo com as crenças estavam vedados de comê-la por não ter escamas, o que, segundo a Bíblia, é uma falha grave e por isso era, e é, excluída da mesa dos que professam o judaísmo. A igreja, sobretudo as ordens mendicantes vinham nela a exortação à gula, pela forma, pelo sangue do molho e pelo vinho que se consumia.
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Os reis protegiam os seus feudos e dos rios contra a pesca dos peixes mas também destas raridades cíclicas que já nesses tempos idos eram pitéu de ricos e deleite de pobres.
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O rei Luís IX, mais conhecido por São Luís Rei de França, era um apreciador de lampreia. Na história atribulada do seu reinado, com a morte trágica na Terra Santa, fazia deslocar em barricas de madeira cheias de água dos rios Dordogne e Garonne, na região de Bordéus, lampreias gordas com as quais saciava a sua corte francesa.
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Para um santo Homem, este prazer gastronómico não era pecado de gula, como foi durante séculos para muitos o consumo desta iguaria, pois se foi elevado à condição de santo não terá pesado este pecadilho menor (se o é) de comer lampreia regada por um bom vinho de Borgonha que tantas lutas custará à França a sua integração ou de Bordéus apetecida desde sempre pelos ingleses.
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O terror de algumas pessoas por este animal tem a ver com o seu aspecto de serpente, o qual, é sempre identificado com o pecado original ou o veículo pelo qual Eva foi tentada a desobedecer. A mulher foi desde sempre ensinada pela religião a odiar a serpente, a lampreia com as suas semelhanças não poderia por isso fazer parte do seu ideal culinário, embora muitas mulheres cozinhando-a, não a comiam e a repudiavam.O sangue em que é cozinhada, proibido o uso nas preparações culinárias judaicas, vai encontrar opositores nos princípios da nossa era cristã.
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A religião judaica, como vimos, excluía-a da dieta e por tal, na origem dos povos portugueses, em que estas influências são mais presentes em vários pontos do país, o seu consumo é pouco relevante e mesmo tido como pouco ortodoxo.
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A lampreia tem por isso esta duplicidade de iguaria única de pecado de gula e semelhanças com o pecado original, duplamente pecaminosa mais que não fosse pelo preço proibitivo com que às vezes é vendida.
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A lampreia à bordalesa, sendo a mais divulgada, tem origem em França, que como o nome indica deriva da região de Bordéus, em Portugal esta receita foi sofrendo alterações e da original por vezes simplesmente resta o nome, os alhos franceses da receita natural foram trocados por mais quantidade de cebolas, e o vinho de Bordéus por vinho da região onde é confeccionada.
O nome de lampreia à bordalesa chega, segundo Mário Varela Soares, de uma empresa conserveira, Amieux Fréres, que em 1913 terá baptizado à bordalesa, o que até aí, era conhecido por lampreia com alhos franceses à moda de Bordéus, cujo acompanhamento, para além das tostas, era enriquecido no molho com cogumelos.
Para a preparação desta iguaria são necessários ingredientes como o sangue, o vinho maduro tinto e os alhos franceses.
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O nome de lampreia à bordalesa chega, segundo Mário Varela Soares, de uma empresa conserveira, Amieux Fréres, que em 1913 terá baptizado à bordalesa, o que até aí, era conhecido por lampreia com alhos franceses à moda de Bordéus, cujo acompanhamento, para além das tostas, era enriquecido no molho com cogumelos.
Para a preparação desta iguaria são necessários ingredientes como o sangue, o vinho maduro tinto e os alhos franceses.
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A Lampreia à moda do Minho, esta verdadeiramente nossa, é feita com cebola, sangue e verde tinto, esse mesmo vinho verde tinto tão desprezado e mal amado por tantos que se julgando donos da verdade se deixam impressionar pelo fácil e vulgar, remetendo para a ruralidade e provincianismo um vinho com características únicas.
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A lampreia seca ou fumado perde-se nos tempos - era assim que se tratava o peixe, em conjunturas em que o transporte e a conservação eram uma conquista e necessidade Ainda hoje em terras minhotas a lampreia seca e fumada tem apreciadores.
Encontro nesta preparação um requinte extremo, e do qual se podem elaborar muitas receitas e aperitivos, melhores que as vulgares tapas costumeiras de gente sem imaginação que recorre ao salmão fumado por recurso fácil.A Lampreia é pois bem portuguesa e bem difundida entre nós.Domingos Rodrigues, autor do 1º livro de cozinha português (1680), chefe que foi da corte portuguesa e de el-rei Dom Pedro II, dá-nos várias receitas, entre elas uma deliciosa empada.
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Encontro nesta preparação um requinte extremo, e do qual se podem elaborar muitas receitas e aperitivos, melhores que as vulgares tapas costumeiras de gente sem imaginação que recorre ao salmão fumado por recurso fácil.A Lampreia é pois bem portuguesa e bem difundida entre nós.Domingos Rodrigues, autor do 1º livro de cozinha português (1680), chefe que foi da corte portuguesa e de el-rei Dom Pedro II, dá-nos várias receitas, entre elas uma deliciosa empada.
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Dona Maria, Infanta de Portugal, filha do rei Dom Manuel, quando vai para Itália leva consigo um caderno onde tinha uma receita de lampreia com salsa e coentros. São inúmeros os autores que as reproduziram nos seus livros, receitas onde por vezes quantidades ou método faz alterar o nome ou a receita original, por vezes mantendo o nome por vezes recriando.
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Encontramos as mais diferentes receitas de lampreia, desde à minhota, assada no forno – como a que faz deliciosamente bem o meu caro amigo Camelo de Portuzelo - com molho de chocolate , à transmontana, no espeto, de fricassé, de escabeche, de conserva, em empadas - como aquelas delícias do Natário de Viana.
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Encontramos as mais diferentes receitas de lampreia, desde à minhota, assada no forno – como a que faz deliciosamente bem o meu caro amigo Camelo de Portuzelo - com molho de chocolate , à transmontana, no espeto, de fricassé, de escabeche, de conserva, em empadas - como aquelas delícias do Natário de Viana.
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Para elaborar um bom prato de lampreia é sempre necessário atenção nos produtos a usar.
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A Lampreia deve estar sempre viva de forma que o sangue seja todo aproveitado e emulsionado de seguida com um pouco de vinagre de vinho de boa qualidade.
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A limpeza da pele da lampreia deve ser bem conseguida, o limo que a cobre caso seja mal tirado, irá dar mau gosto e alterar por completo o resultado final, alguns chefes preferem retirar a pele à lampreia, eu admito, mas gosto mais completa tal como a pele do bacalhau que depois de escamada é suculenta e de um sabor muito agradável. A "tripa " que no fundo é uma das grandes técnicas da confecção deve ser retirada, sem riscos de romper.As especiarias devem ser frescas, esmagadas na altura, de forma a conservar o seu aroma, os cravinhos ligeiramente esmagados e a pimenta preta essencial deve ser moída na altura, use sempre sal marinho, leia os rótulos.O presunto ou bacon fumado, quando usado, deve ser sempre dessalgado.O azeite usado tem que ser de baixa acidez extra virgem e usado em pouca quantidade.Não resisto a este conselhos que, embora divulgados, são por vezes esquecidos e preteridos por métodos mais rápidos, mas não tão eficazes.
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O vinho, seja o maduro ou o verde, deve ser de muita boa qualidade, com acidez equilibrada e o mesmo com que vai a acompanhar o prato.
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À Bordalesa e em arroz sendo as mais conhecidas, mas não sendo as únicas, são as que preenchem as preferências de muitos como nós.Fialho de Almeida, citado pelo autor do livro a "divina Lampreia", dizia: "Um povo que defende os seus pratos nacionais defende o território. A invasão começa pela cozinha" nunca esta frase foi tão verdadeira.
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Numa altura em que se fazem concursos e festivais gastronómicos por todo o lado, promove-se receituário gasto e velho sem imaginação, redutor e vulgar, eu sou defensor de uma abertura e de um encontro de culturas de uma cozinha de fusão.
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Claro que aprovo e respeito as iniciativas de promoção dos locais e dos pratos tradicionais, aplaudo os concursos em que o papel da verdadeira cozinha esteja presente, bem elaborado com receitas respeitadoras das suas origens, acredito no estímulo que é para os restaurantes presentes a concurso o prémio alcançado. Não aceito, e rejeito a forma como são promovidos – sem preparação de base, sem informação aos concorrentes sobre a história do produto ou receita em concurso, sem chefes de cozinha capazes de rectificar detectar e rectificar os erros técnicos, que por vezes, passam aos júris que se debruçam mais sobre o aspecto e paladar do que por esses pormenores, importantes, mas para os quais não estão e não têm obrigação de estar preparados. Divulgar uma região através da gastronomia, não faz sentido sem um ensino capaz de fomentar aos concorrentes vontade de aprender e melhorar, de exaltar a vontade de criatividade que é necessária, nascendo assim uma cozinha com raízes na ancestral tradição culinária nacional mas tal como uma árvore renascendo em cada primavera com frutos novos de uma raiz forte.
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É da nossa tradição inovar, criar misturar sabores e saberes, foi assim no passado glorioso das descobertas deve ser assim na actualidade.
Concursos são precisos, iniciativas de promoção cultural culinária nunca são demais, mas não as podemos, nem devemos, espartilhar com o risco de nos tornarmos reféns de um cozinha demasiado conservadora e radical, em que a criatividade não é mais que uma extravagância ou loucura.
Façam-se concursos, coma-se lampreia, deixe-se espaço para a criação individual, mantenha-se este espírito de comer e beber bem e em boa companhia, sempre no espírito da elevação da nossa culinária portuguesa que precisa mais de Escola do que diploma governamental.
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Concursos são precisos, iniciativas de promoção cultural culinária nunca são demais, mas não as podemos, nem devemos, espartilhar com o risco de nos tornarmos reféns de um cozinha demasiado conservadora e radical, em que a criatividade não é mais que uma extravagância ou loucura.
Façam-se concursos, coma-se lampreia, deixe-se espaço para a criação individual, mantenha-se este espírito de comer e beber bem e em boa companhia, sempre no espírito da elevação da nossa culinária portuguesa que precisa mais de Escola do que diploma governamental.
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Espero ter aberto o apetite para a lampreia não só pela inúmeras vezes que dela falei, nem pelo tempo que por ela vos fiz esperar mas antes por ter a certeza que depois de tudo o que foi referido nos assentaria bem essa frase de Mário Varela Soares "
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A Lampreia é um monstro, por isso a necessidade do livre arbítrio, a ausência de dogmas que são contrários à inteligência em que só os Homens de espírito conseguem dominar monstros e devorá-los"
Devoremo-la com a elevação de que a alma necessita e falemos sempre de gastronomia sabendo do bem que estamos a prestar à Cultura.
Devoremo-la com a elevação de que a alma necessita e falemos sempre de gastronomia sabendo do bem que estamos a prestar à Cultura.
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