Perguntei-lhe, um dia, o que para ele era uma mulher atraente.
Respondeu:
- É uma mulher com as seguintes qualidades :
Inteligência – A própria noção de inteligência será variável de pessoa a pessoa, mas de modo geral meu conceito dela é uma capacidade de discernimento intuitivo das informações e das situações que o acaso colocam à disposição. Sem isso, não há rabo glorioso que se sustente sozinho.
Salto alto – Talvez o som mais associado à feminilidade na minha cabeça seja o ritmado e melódico toque-toque de um par de saltos altos sobre piso ou calçada. São todos tão absolutamente banais, simples tiras que cingem o peito do pé ou uma armação de feltro ou couro a circundar a borda, quem viu um já viu todos. No entanto, é sempre comovente, em um sentido vagamente cômico, observar como elas conseguem enxergar beleza e transcendência a cada novo par adquirido, um par que, tirando a cor, parece muito com qualquer outro que ela tem no armário. Mas esse par terá o som. Aquele som. O som que é uma sirene de alerta para uma mulher a caminho.
Cabelos – Elas sorriem e o cabelo cai no rosto, tapando parcialmente um olho e obrigando-as a fazer um gesto elegante para levá-lo ao lugar novamente. Elas caminham ao vento e o cabelo é um véu natural a esconder suas faces da curiosidade da rua. Elas se inclinam e o cabelo é uma cortina elizabetana fechando-se para o espetáculo dos olhos lânguidos que se escondem sob eles. Cabelos. O mundo deveria ser um lugar sem tesouras...
Umbigos – Com o verão, elas armam mil e uma sutilezas para que ao mesmo tempo os vejamos mas nos comportemos como se não os tivéssemos visto. Camisetas que são curtas demais para tapá-los o tempo todo e compridas demais para deixá-los à mostra. E ainda há aquele momento em que elas estiram o corpo para trás na cadeira e se espreguiçam alongando os braços, e aquela camisa ou blusa que é exígua demais para permanecer no lugar sobe, desvelando o umbigo, "como uma taça redonda, a que não falta bebida", posicionado no centro do elegante ventre, "como um monte de trigo, cercado de lírios". E quando o gesto chega ao fim, a camisa volta com crueldade ao ponto inicial, exilando-nos da paisagem. Pior ainda quando há piercings, pequenos sóis orbitando o centro daquela promissora galáxia.
Detalhes inúteis – Elas usam acessórios. Acessórios, o próprio nome já diz, não são o principal. Mas elas se esmeram neles. Mais de um brinco em cada orelha, em tamanho decrescente. Uma argola pequena no arco ogival da orelha, lá em cima, só perceptível quando os cabelos estão para o lado ou presos. Tatuagens minúsculas em lugares estratégicos: fragmentos de desenhos estranhos que sobem do cós da calça ou descem da barra da calça no tornozelo. Tribais ou detalhes como flores e borboletas e pássaros a se insinuar no papiro da pele. Tornozelos, omoplatas, a linha fina da cintura, o umbigo, os pulsos, tudo parece válido, nada parece interdito para a decoração que transforma a pele, papel branco, em esboço artístico, em tela valiosa em exposição cotidiana. Correntinhas sutis formando pulseiras luminosas a cintilar à medida que a luz passeia pelo braço. Tornozeleiras.
Elas são detalhes, milhares de pequenos detalhes, nas quais investem tanto que por vezes a parte se sobrepõe ao todo, como um fantasmagórico zahir (pelamordedeus, isto é uma referência a um conto do Jorge Luís Borges incluído no Aleph, e NÃO, de modo algum, nem por decreto, uma menção ao romance do Paulo Coelho).Tem mais, sempre tem. O problema é esse. A cada detalhe fixado, temos um detalhe perdido, porque são coisas que só tem sentido em movimento, pulsantes na vida. Não fixados em palavras.
*Cântico dos Cânticos de Salomão, provavelmente um dos mais belos poemas eróticos já escritos em qualquer idioma, tempo e lugar.
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(Desconheço o autor)
1 comentário:
Fresquinha,
Deliciosas qualidades!
Observador genial!
Acessórios ... detalhes inúteis???
Há quem os considere, aos acessórios, prioritários fazendo depender deles "o resto"!...
:-))
A fotografia ... sem palavras!
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