quarta-feira, setembro 19, 2007

a novela do real


"O real é traumático, impossível de suportar. Quando uma criança "desaparece" do mundo (por morte, rapto ou outra razão qualquer) somos confrontados, de um modo ou de outro, com esse real. Nada é mais difícil de suportar do que este súbito e brutal congelamento do futuro que a vida de uma criança representa.
Acontece que hoje, graças aos media, este real traumático acaba por ser banalizado. A força da repetição enfraquece progressivamente os sentimentos. O que havia de "real", impossível, transforma-se em "realidade" fabricada, insignificante, inofensiva. Ouvimos e vemos a novela do real como quem bebe um café...descafeinado.
Tal como em outras novelas, também nesta o amor cede rapidamente lugar ao ódio. E há, sobretudo, uma velha equação, de raiz grega, que continua a funcionar: a equivalência entre o belo e o bom. Com efeito, se o caso da menina "desaparecida" no Algarve levou a uma tal "identificação" por parte das pessoas relativamente aos pais da criança (contrariamente ao que acontecera em milhares e milhares de outros casos) é porque se tratava de "gente bonita", como se diz. E gente bonita não faz coisas feias. Até o santo padre continua afectado por esta equação de raiz grega entre o bom e o belo, a ética e a estética.
A função do belo (que as televisões mediatizam até à exaustão) é poupar-nos o confronto com o impossível de suportar, com o real. Porém, tal como pode haver beleza no mal (como mostrou Baudelaire), também existe "maldade" na beleza.
A gente bonita também é capaz de coisas feias".

Autor: Filipe Pereirinha
Visto aqui
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Menina se teus olhos entristecem,
nas ondas que teu mar morre na praia,
espuma da beleza que não saia,
dos olhos que me olham,
e regressem.
.
Moinhos que nos rodam não fenecem,
são velas do passado que se espraia,
é sonho que na areia lá desmaia,
teares de teias finas que nos tecem.
.
Menina que em teus olhos vem saudade,
não olhes para os meus em solidão,
não olhes para mim com realidade,
.
que este mar vai lavar toda a ilusão,
dos meus versos... mentira ou com verdade,
a maré também chega ao coração.
Autor: J. Alcaide

3 comentários:

Fernando Borges de Moraes disse...

Eis um dos aspectos maravilhosos da internet que de outra forma dificilmente ocorreria: o contato com pessoas interessantes, o compartilhar de idéias, angústias e prazer.

Anónimo disse...

Há dias enviei este soneto como comentário para um outro blog.Sem intençao. Mas porque os olhos da pequena Madeleine me adoçam, e porque sim, presto-lhe aqui uma sentida homenagem e ergo a revolta do sucedido.


Menina se teus olhos entristecem,
nas ondas que teu mar morre na praia,
espuma da beleza que não saia,
dos olhos que me olham, e regressem.

Moinhos que nos rodam não fenecem,
são velas do passado que se espraia,
é sonho que na areia lá desmaia,
teares de teias finas que nos tecem.

Menina que em teus olhos vem saudade,
não olhes para os meus em solidão,
não olhes para mim com realidade,

que este mar vai lavar toda a ilusão,
dos meus versos...mentira ou com verdade,
a maré também chega ao coração.

Fresquinha disse...

Fernando,

Sinto-me muito honrada com a sua presença tão assídua no meu blog, sabendo-o tão mais sabedor do que eu. Agradeço-lhe desde já.

Não tenho qualquer dúvida que esta autoestrada de informação permitiu que as pessoas não só saíssem de um isolamento crescente na nosa sociedade, como nos expÕs e facilitou o contacto com pessoas com grandes talentos e conhecimentos que de outra forma não conheceríamos. Quando alguns acham que perdemos tempo a comunicar na net, eu penso - pela minha experiência que, perdemos muito mais não o fazendo. O que eu tenho aprendido com este magnífico instrumento. No entanto, também vejo os seus inconvenientes e feitas bem as contas .... vou continuar aqui, não me esquecendo que também há vida a partir da minha janela. Um beijo e venha sempre.