domingo, maio 04, 2008

dia da Mãe


...Lisboa, Santarém, Porto, Leiria...
(eu sabia de cor toda a geografia)
O Senhor Inspector
deu-me a nota mais alta em geografia
e disse gravemente:
- Continua. Hás-de ser gente...
Ângulo recto, agudo,cateto, hipotenusa...
(já manchara de giz a minha blusa
mas respondia a tudo
e a professora sorria
enquanto eu papagueava a geometria)
...D.Sancho, o Povoador...
D.Dinis, o Lavrador...
(Tinha então boa memória,
sabia as datas da história...)
1580
1640
1143
em Arcos de Valdevez...
(Muito bem, sim senhor!
A pequena é simpática)
E depois, em voz alta, o senhor Inspector:
- Vamos à gramática.-
...E, nem, não só, mas também...
conjunções copulativas
(Eu pensava na alegriaque ia dar a minha mãe,
nas frases admirativas
da velha D.Maria,
a minha primeira mestra:
- Tão novinha e ficou "bem"!
- e esta suavíssima orquestra
acompanhava em surdina
o meu primeiro exame de menina
aplicada, orgulhosa e inteligente...)
- Vá ao quadro, menina! Docilmente
fiz os problemas, dividi fracções,
disse as regras das quatro operações
e finalmente
O Senhor Inspector
felicitou-me,quis saber o meu nome
e declarou-me
que ficara "distinta" sem favor.
Ah! que esplendor!
Que alegria total e sem mistura,
que orgulho, que vaidade!
Olhei de frente o sol e a claridade
não me cegou, julguei-a quase escura...
As estrelas, fitei-as como iguais.
Melhor: como rivais...
E a Humanidade
pareceu-me um rebanho sem vontade,
uma vasta colónia de formigas...
(As minhas pobres, tímidas amigas!)
Pouco depois, em casa, a testa em fogo, o olhar em brasa,
gritei num desafio
à terra, ao céu, ao mar, ao rio:
- O mãe, eu já sei tudo!
No seu olhar tranquilo de veludo,
no seu olhar profundo,
que era todo o meu mundo,
passou uma ironia tão velada,
uma ironia
tão funda, tão calada,
que ainda hoje murmuro cada dia:
"- Ó mãe, eu não sei nada!..."
.
(Poema de Fernanda de Castro)

9 comentários:

xico.lf disse...

Obrigado pelo reminder!
:))

Anónimo disse...

Gostei da rosa. Gostei do espaço. Obrigada pelas suas visitas ao meu blog. Vá aparecendo:


http://oslivrosqueninguemquisdaraler.wordpress.com

http://tachospanelasecolheresdepau.wordpress.com

Um abraço,

Sónia Pessoa

Fresquinha disse...

Eu é que agradeço.
Um resto de dias felizes.

Anónimo disse...

Que poema bonito da Fernanda de Castro e...como eu me lembro!
Beijo
PS-Sou anterior aos Beattles mas gostei e não conhecia.

Fresquinha disse...

Xara,

A minha primeira aparição em público no colégio de freiras, na Festa do Natal que se realiza anualmente, foi a recitar este poema. A minha professora de inglês que fazia um solo de piano de fundo, chorava baba e ranho, com a comoção. Fui ensaiada pela minha mãe, professora no mesmo colégio, e a organizadora de todas as festas que ali se realizavam. Lembro-me que em casa, havia um longo corredor e a minha mãe dizia para eu recitar o poema sem microfone de uma ponta do corredor, e ela ficava na outra ponta para corrigir a dicção. Foi a minha sorte. Quando subi para o palco, o microfone deixou de funcionar e, num anfiteatro para mais de 1.000 pessoas, toda a gente me ouviu. Por isso, publiquei isto nesta data. Em memória da minha mãe.

xico.lf disse...

Sabes sim, Fresquinha, sabes muito de muita coisa, e sabes ter essa profunda e bela Memória enorme da tua Mãe.
Beijo

Fresquinha disse...

Sei muito pouco de pouca coisa porque quanto mais se pensa que sabe, mais se chega à conclusão que nada sabemos. Há tanto ainda para aprender ! Ou te especializas em 2 ou 3 assuntos (é moda !) ou ficas sempre a saber muita coisa pela rama.

Anónimo disse...

Pois,tipo especialista do ombro esquerdo e especialista do ombro direito...
:-))

Fresquinha disse...

É isso, Xara. Os americanos são peritos. Se lhes perguntar quem é Mozart, eles pensam que é um jogador de futebol brasileiro. (O que não era de todo impossível ....)E olhe que nós não ficamos atràs. Já postei uns apanhados nacionais que de cultura só percebem a das batatas ...