sexta-feira, maio 02, 2008

porque há comentários que merecem publicação

Fotografia de Zélia Paulo Silva
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O NOSSO QUERIDO ALÉM TEJO
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Alentejo: palavra mágica que começa no Além e termina no Tejo, o rio da portugalidade. O rio que divide e une Portugal e que, à semelhança do Homem Português, fugiu de Espanha à procura do mar. O Alentejo molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da planície dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do monge; as amplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a resistência física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do guerreiro. Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um dote, é um dom. Não se nasce alentejano, é-se alentejano.Portugal nasceu no Norte, mas foi no Alentejo que se fez Homem. Guimarães é o berço da Nacionalidade; Évora é o berço do Império Português. Não foi por acaso que D. João II se teve de refugiar em Évora para descobrir a Índia. No meio das montanhas e das serras, um homem tem as vistas curtas; só no coração do Alentejo, um homem consegue ver ao longe. Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar ao reino, depois de dobrar o Cabo das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia, para D. João II perceber que só o costado de um alentejano conseguia suportar com o peso de um empreendimento daquele vulto. Aquilo que, para o homem comum, fica muito longe, para um alentejano, fica já ali. Para um alentejano, não há longe, nem distância, porque só um alentejano percebe intuitivamente que a vida não é uma corrida de velocidade, mas uma corrida de resistência onde a tartaruga leva sempre a melhor sobre a lebre. Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu entregar a chefia da armada decisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no mar... E, quando regressou, ao perguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da Gama respondeu: «Não, é já ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao virar da esquina. Para um alentejano, o caminho faz-se caminhando e só é longe o sítio onde não se chega sem parar de andar. E Vasco da Gama limitou-se a continuar a andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O problema de Portugal é precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco da Gama. Demasiada gente que não consegue terminar o que começa, que desiste quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou seja, muitos portugueses e poucos alentejanos. D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha percebido isso. Caso contrário, não teria partido tão confiante para Aljubarrota. D. Nuno sabia bem que uma batalha não se decide pela quantidade mas pela qualidade dos combatentes. É certo que o rei de Castela contava com um poderoso exército composto por espanhóis e portugueses, mas o Mestre de Avis tinha a vantagem de contar com meia-dúzia de alentejanos. Não se estranha, assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos, quando o tentaram convencer a mudar de campo com o argumento da desproporção numérica: «Vocês são muitos? O que é que isso interessa se os alentejanos estão do nosso lado?» Mas os alentejanos não servem só as grandes causas, nem servem só para as grandes guerras. Não há como um alentejano para desfrutar plenamente dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que Deus fez a mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve de fazer os alentejanos para que as mulheres também tivessem algum prazer. Na cama e na mesa, um alentejano nunca tem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão quando este, intrigado, lhe perguntou o que é que o alentejano tinha que ele não tinha: «Tem tempo e tu tens pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E muito menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema que os alentejanos, graças a Deus, não têm. Até porque os alentejanos e o Alentejo foram feitos ao sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou para descansar. E até nas anedotas, os alentejanos revelam a sua superioridade humana e intelectual. Os brancos contam anedotas dos pretos, os brasileiros dos portugueses, os franceses dos argelinos... só os alentejanos contam e inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso, ao mesmo tempo que servem de espelho a quem as ouve.Mas, para que uma pessoa se ria de si própria, não basta ser ridícula, porque ridículos todos somos. É necessário ter sentido de humor. Só que isso é um extra só disponível nos seres humanos topo de gama. Não se confunda, no entanto, sentido de humor com alarvice. O sentido de humor é um dom da inteligência; a alarvice é o tique da gente bronca e mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as desgraças alheias, quem tem sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior honra do que ser objecto de uma boa gargalhada. O sentido de humor humaniza as pessoas, enquanto a alarvice diminui-as. Se Hitler e Estaline se rissem de si próprios, nunca teriam sido as bestas que foram. E as anedotas alentejanas são autênticas pérolas de humor: curtas, incisivas, inteligentes e desconcertantes, revelando um sentido de observação, um sentido crítico e um poder de síntese notáveis.Como bom alentejano que me prezo de ser, deixei o melhor para o fim. O Alentejo, como todos sabemos, é o único sítio do mundo onde não é castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que qualquer alentejano anseia. E o pão... Mas há melhor iguaria do que o pão alentejano? O pão alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo, refeição e sobremesa. E é o único pão do mundo que não tem pressa de ser comido. É tão bom no primeiro dia como no dia seguinte ou no fim da semana. Só quem come o pão alentejano está habilitado para entender o mistério da fé. Comê-lo faz-nos subir ao Céu!É por tudo isto que, sempre que passeio pela charneca numa noite quente de verão ou sinto no rosto o frio cortante das manhãs de Inverno, dou graças a Deus por ser alentejano. Que maior bênção poderia um homem almejar?
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Autoria: Zona 8
Informações úteis
Como chegar:

Para os nossos amigos lisboetas que se aventurem pelas estradas do Alentejo e necessitem de pedir informações sobre as distâncias tenham em conta que logo além é uma unidade de medida de comprimento, muito utilizada no Alentejo, que varia entre 50 metros e 100 quilómetros, mais coisa menos coisa. Portanto, sempre que alguém vos indicar uma direcção apontando o dedo e dizendo: Isso é logo além!

Já sabem que, andando nessa direcção, mais cedo ou mais tarde vão encontrar o local.


Nas terras do Além-Tejo
ao fim dos vales, um monte
Quatro noites para um rio
encontrei-te junto á ponte...
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Do passado de um rio
ficou por contar a primeira vez
O passado de um rio ficou de voltar outra vez
Passaste como um rio
que eu cantei e me deixou aqui
passaste como um rio
e eu não sei passar sem ti...
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Soube o teu nome além Tejo
talvez fosses quem perdi
Passaste como um rio
e hoje não passo sem ti
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(Sétima Legião, "Mar d'Outubro")
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“Assim vai a vida em Mourão, terra onde ninguém ralha e ninguém tem razão, onde há bom vinho e excelente pão, onde um bicho com quatro patas é invariavelmente um cão, onde as estrelas assumem nova dimensão, onde existem inúmeros trabalhadores ávidos de exploração, e há pessoas a favor e outras não, velhinhos com doenças do coração, um taberneiro sem uma mão, um guarda fiscal que é cabrão, cada casa tem um portão, cada rosa um botão, cada sanita um sifão, cada nota um cifrão, cada cantiga um refrão. Primeiro que tudo, felicitemos o jovem Ghozé Pablito, distinto arqueozoólogoendocrinologista que, graças ao rol de maleitas de que sofre, se escapou brilhantemente de servir a Pátria, através do Serviço Militar Obrigatório, perdendo assim uma excelente oportunidade de ser útil à Nação, de se transformar, ainda que transitoriamente, num glorioso filho do povo em armas, de defender intransigentemente a Constituição e, quem sabe, de conquistar, quiçá – sim quiçá! – a troco da própria vida ou da vida dos outros, uma lindíssima condecoração, que o paizinho guardaria, com os olhos rasos de água, numa vitrina com luzes indirectas, exibindo-a às visitas, ao mesmo tempo que, escorrendo saliva pelos cantos da boca (também conhecidos por comissuras), contaria a odisseia, epopeia, melopeia, geleia ou centopeia do querido filho que, já com a farda verde esperança manchada de sangue, se arrastou para além das linhas inimigas, numa tentativa desesperada de partir os dentes ao general contrário, que sofria de halitose e cheirava mal dos sovacos. Aguardamos ansiosamente um relato pormenorizado desse feito glorioso (referimo-nos obviamente ao episódio que conduziu ao carimbo: “inapto”).(…) Claro que não farei a lista do que não há em Mourão. Seria longa e fastidiosa. Não há, por exemplo, uma papelaria digna desse nome: há uma loja, do sr. Joaquim Arranhado, que é primo do Carapêncio e cunhado do Serrano Destapado, cuja tia, a Dona Suzana Suzano, se amantizou com o Manuel Chaparro, amigo do Chilreta, loja essa que vende cartolina, lápis, borrachas, presunto e batatas fritas Pála-Pála.” Daqui, do Coiso.