Esta é a capa de um livro que me foi lido, com o sorriso terno e paciente da minha mãe a pairar pelas letras das histórias, umas que ela lia, outras que inventava, conforme a sua disposição para imaginar, e que eu insistia para que ela mas contásse de novo, sentindo-me defraudada quando os pormenores das histórias não coincidiam com a versão primeira.
A história era esta:
Estava muito frio e a neve caía e já estava começando a escurecer.
Era a noite do último dia do ano.
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Uma menina descalça e sem agasalho andava pelas ruas, no frio e no escuro. Quando atravessou correndo para fugir dos carros, a menina perdeu os chinelos que tinham sido da mãe e eram grandes demais. Um deles ela nunca mais o encontrou, e o outro foi levado por um garoto que ali passava na altura. A menina já estava com os pés roxos de frio. Tinha um pacotinho de fósforos na mão e outro no bolso do avental velho. Naquele dia não tinha conseguido vender nada e estava sem um tostão. A neve caía no cabelo cacheado, mas ela não podia pensar no cabelo nem no frio.
As casas estavam iluminadas e havia por toda parte um cheirinho de perú assado de Ano Novo.
Era nisso que ela pensava.
No caminho entre duas casas, ela encolheu-se toda, mas continuava sentindo muito frio.Voltar para casa, nem pensar! sem dinheiro, sem ter vendido nada, era uma surra do pai com certeza.
Com as mãos geladas, pensou em acender um fósforo. Conseguiu. A chama pequenininha parecia uma vela na concha da mão.A menina se imaginou diante de uma lareira enorme, com o fogo esquentando tudo e a ela também.Ela ficou com um fósforo queimado na mão.Acendeu outro que, brilhando, fez a parede ficar transparente.
Ela viu a casa por dentro; a mesa posta, a toalha branca, a louça linda. O assado, o recheio, as frutas.Não é que o assado, espetado com garfo e faca,saiu pulando da mesa e veio até ela?
Mas o fósforo apagou-se e ela só viu a parede grossa e humida.
Acendeu mais um fósforo e se viu junto de uma belíssima árvore de Natal.Velinhas e figurinhas coloridas enchiam os galhos verdes.A menina esticou o braço e...o fósforo apagou-se.Mas as velinhas começaram a subir, a subir e ela viu que eram estrelas. Uma era uma estrela cadente que riscava o céu.
-Alguém deve ter morrido. A avó - única pessoa que tinha gostado dela de verdade, e que já tinha morrido - sempre dizia"Quando uma estrela cai, é sinal de que uma alma subiu para o céu."
A menina riscou mais um fósforo e, no meio do clarão, viu a avó tão boa e tão carinhosa contente como nunca.
- Avó.....avó.........leva-e daqui! Sei que não vais mais estar aqui quando o fósforo apagar. Vais desaparecer como a lareira, o assado e a árvore de Natal. E foi acendendo os outros fósforos para que a avó não sumisse. Foi tanta luz que parecia dia.
E a avó ali, tão bonita...Pegou a menina no colo e voou com ela para onde não fazia frio e não havia fome nem dor.Foram para junto de Deus.
De manhãzinha, as pessoas viram no canto entre duas casas uma menina corada e sorrindo.
Estava morta.Tinha morrido de frio na última noite do ano. Nas mãos, uma caixa de fósforos queimados.
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