sexta-feira, novembro 02, 2007

"sinfonia bárbara" e "terra conquistada" de E. Correia de Matos

« ....São agora as mulheres. Não ousadias de guerra, que elas nunca empunham arco ou lança nas lides da peleja. Requebros e ademanes sáficos. Odaliscas que, quando luta pela vida dá tréguas aos seus senhores, lhes excitam os nervos para os prazeres da carne e lhes lembram que há em seus corpus doçuras compensadoras de todas as fadigas.Não há, em regra, beleza alguma a adorná-las. Na sua maioria, são encarquilhadas, sujas e feias. Excepcionalmente, algumas, bem poucas, apresentam-se dum encanto exótico, misterioso, antigo, do templo de Salomão ou dos faraós do Egito.Ora se saracoteiam, meio curvadas, prestes a cair, meneando os braços abertos e as nádegas gordurosas em moganguices concupiscentes e requebros pornográficos; ora se erguem em desafio e sacodem o busto farto, a mostrar aos homens, em círculo à sua volta, a exuberância dos seios entumecidos.»
.
« ...Nem a mais leve brisa acaricia as vergônteas, imóveis como se houvessem sido petrificadas, nem as borboletas, abundantes por êstes sítios, tão vistosas em sua garridice de côres, procuram com a tromba espiralada o pólen adocicado de escassas leguminosas. O activo colibri africano não adeja agora em tôrno às corolas procurando os insectos da sua alimentação. Não se ouve o gemer enamorado das rôlas nem o grito metálico do galo do mato. Afundou-se a vida na tumba do silêncio. A Natureza adormeceu, amodorrada pelo soalheiro, exausta de calor e de sêde. Paira no ambiente uma expectativa tenebrosa. Recolhidos em seus quartéis, os habitantes dêste logar que vivem em contacto com o mundo da matéria bruta e conhecem os seus ardis, dispõem-se resignados a suportar os rigores da calamidade.»
.
...
« ...Gritam, galos do mato, empoleirados nos braços musculosos dos imbondeiros. Afloramentos de granito, como répteis gigantescos, aquecem o dorso negro ao flamejar do soalheiro. Assustadas, refugiam-se codornizes, em voo estrepitoso, no mais denso das moitas de espinheiras. Esbracejam, em atitudes desengonçadas de esqueleto, os galhos rugosos de mitiáti, pobremente enfolhados.
!Paisagem monótona, despida de pompas, assoalhada mas triste, a perder-se por léguas!
Luta renhida pela existência! O folhedo a pedir angustiado à calidez do céu uma gota benéfica de orvalho; raízes contorcidas, espalmadas rés-vés com o solo, serpeando ou enroscando-se como jibóias; garrunchos grosseiros e disformes, gretados e negros; troncos encarquilhados como velhos mendigos, curvados em gibosas nodosidades; raízes aéreas, grossas como cordas, em fartas madeixas pendentes dos braços gretados das escassas frondes, outros tantos dedos inertes, caídos em atitude de desalento, a pedir inutilmente ao espaço a esmola que a terra implacável lhes não quer dar.
E sempre assim, léguas e léguas andadas pelo mesmo brejo agreste, calcorreando por entre herbagens como fios de arame, duras e praganosas, furtando o corpo às garras dilacerantes de espinheiras arbustivas, revoltadas contra a sua morte malfazeja.»
.
da "Terra Conquistada", 1946
1º prémio de «Literatura Colonial»
« ...A indumentária de Catuane, essa é que era realmente assombrosa. Fazia a inveja e a cobiça de quantos a admiravam. Botas de cano largo, até meio da perna, de solas ferradas; calções à Chantily, às riscas azuis e brancas, chapeadas de cabedal em figuras geométricas; espessas meias vermelhas de lã que chegavam aos joelhos, saindo dos canos das botas; uma blusa feita de retraços de pergamóide de diversas cores, unindo ao meio por um fecho éclair; além dum casacão enorme, tão felpudo que era inteiramente aceitável ter pertencido ao espólio de algum alpinista. Na cabeça, um grande chapéu à cow-boy, de alta copa e de aba larga revirada, com duas penas de galo espetadas no alto. Óculos preto e uma sombrinha de senhora completavam a carnavalesca indumentária. A atravessar o lóbulo de uma das orelhas uma caneta de tinta permanente.»
(In Eduardo Correia de Matos, Terra Conquistada, pp. 176,177)
Eduardo Correia de Matos era meu avô paterno.

6 comentários:

Anónimo disse...

Fresquinha,
Muito interessantes extractos dos Livros do teu Avô!
Estão à venda onde?
Foi dele que herdáste? O jeito?
E o amor por África?
:-))

Anónimo disse...

Fiquei a pensar!
Extractos soa-me mal, a palavra correcta será excertos!?...
:-)

Anónimo disse...

Bom!
Strix.

Fresquinha disse...

Não tenho jeito nenhum embora tenha escritores dos dois lados: mãe e pai. Era pano de outra fibra.

Vi esta indicação num blog :

Africa. Conjunto de 2 títulos em 2 vols. brs.
ÁFRICA. Conjunto de dois (2) títulos em 2 vols.brs. : 1 - CORREIA DE MATOS, Eduardo. SINFONIA BÁRBARA. Lourenço Marques, Livraria Académica, 1935. In - 4º de 300 págs. Br. Capa frágil e solta. Romance passado em Angola e Congo, com muitos dados etnográficos, caça, bot_nica, etc.; 2 - PIMENTA, Eduardo. D'AQUEM E D'ALÉM. Lisboa, Lumen, 1922. In - 4º peq. de 137 págs. Brochado. Capa frágil e solta. Contos de grande emoção, alguns deles passados em África. Invulgares estes dois títulos

http://www.pcv.pt/allLots.do?sessionid=&auctionid=6

no Palácio do Correio Velho, Leilões e Antiguidades, SA
leilão nº 167 - (15 a 30 Euros)

Inha disse...

Gostei muito.:)


BFS*


;)

Fresquinha disse...

És uma pessoa de bomgosto. Não me decepcionáste. Obrigada.

:-)